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Unidos para vencer a crise

As eleições nacionais americanas decorreram esta semana. À data em que escrevo, ainda não há resultados finais e permanece em aberto a questão de saber quem será o próximo presidente americano. Todavia, é possível retirar, desde já, um conjunto de conclusões preliminares deste ato eleitoral.

A primeira é a de que Trump sai fragilizado das presidenciais. Dos 45 presidentes americanos, só 10 não conseguiram a reeleição. O último presidente a falhar um segundo mandato foi “George Bush pai”, em 1992. Assim, ao invés de 2016, a surpresa seria Trump não vencer.

Por outro lado, os Democratas ganharam o Senado e terão doravante o controlo do Congresso, o que tornará muito mais difícil a governação de um presidente republicano. Daí que Trump tenha apostado num discurso de descredibilização do ato eleitoral, dos procedimentos e das instituições americanas. Tal como em 2000, as presidenciais podem ser decididas no Supreme Court.

Esta é a prova de que os populistas lidaram mal com a pandemia. Boris Johnson fez marcha atrás e passou de um tratamento light da COVID-19 à adoção de medidas musculadas. Bolsonaro ridicularizou o vírus, mas faz agora luto por mais de 160 mil mortes no Brasil. Também Trump apostou na desvalorização da pandemia e pode vir a pagar caro por isso. Está visto que apresentar soluções simplistas para problemas complexos não resulta a médio prazo. 

Apesar da indefinição quanto ao vencedor das presidenciais, estas são boas notícias. Trump não é um isolacionista: veja-se o seu contributo para as relações com a Coreia do Norte ou para o conflito israelo-palestiniano. Mas é um utilitarista. Para o presidente americano, não são os aliados que respondem às crises. São as crises que fazem as alianças. 

Por isso, desde 2016, temos assistido a uma desconstrução da ordem mundial com que terminámos o século XX e a uma inversão sem precedentes na história americana: saída do Acordo Transpacífico (deixando a Ásia democrática órfã de uma potência e à mercê da China); saída da UNESCO; saída do Acordo de Paris; bloqueio da OMC; desvalorização da NATO. Cada vez que os Estados Unidos se retiram, a China cresce. Com Trump, a ordem mundial sobre a qual Fukuyama preconizou a «paz perpétua» dos anos 90 foi deixada ao abandono e corre o risco de se desmoronar.

Independentemente do vencedor, estas eleições revestem-se de uma democraticidade e de uma força inatacáveis. As traves mestras do sistema americano são ainda hoje altamente inovadoras e protetoras da democracia no Ocidente e no Mundo. 

O sistema eleitoral uninominal (first past the post), que vigora em todos os Estados, menos no Maine e no Nebraska, é personalista e evita a representatividade difusa própria dos sistemas de representação proporcional. Já o sistema de colégio eleitoral (indireto) é o que mais se coaduna com o de uma federação em que os Estados federados têm um caráter forte e pretendem manter a sua soberania, apesar de concederem à federação muitas das suas competências (enumerated powers). 

Estes princípios resultam numa arquitetura institucional de checks and balances fortes, mas rígidos. Daí que, internamente, a eleição de Trump não tenha sido o cataclismo que muitos previram há quatro anos. Em muitos casos, foram os tribunais a parar o Executivo impulsivo – mais do que impulsionador – do líder republicano. Noutros, o Congresso frenou o presidente. O modelo americano permanece, portanto, paradigmático.

Para a União Europeia e para Portugal, a eleição de Trump, em 2016, foi um retrocesso. Ela veio agudizar um problema que já vinha de antanho (pense-se no fracasso do TTIP). Assim, com Biden, ou com Trump, o velho continente não deve ter ilusões relativamente ao futuro.

Esse futuro passa – sabemo-lo bem – por uma defesa intransigente da dimensão atlântica da política internacional: o eixo China-EUA deixa Portugal na pior das periferias. Mas também pela proteção convicta do ideário europeu, nomeadamente dos valores consagrados no Tratado de Lisboa. Ainda, e sobretudo hoje, pelo fortalecimento da soberania industrial da União Europeia. Só com independência, autonomia e criação de valor acrescentado é que a Europa se pode afirmar no plano internacional. 

O Mundo e a América precisam da Europa. E o valor dos Estados Unidos como potência global depende, em grande medida, de saber se o seu papel de líder permanece confiável. Só com a liderança dos Estados Unidos, só com uma Europa firme e segura e só com uma comunidade internacional cooperante é que poderemos vencer os desafios globais – desde logo, a COVID-19. A pandemia não pode vencer a democracia, nem os valores comuns. O nacionalismo e os egoísmos não são solução. Por isso, e para isso, o mundo precisa da Europa e da América. De preferência juntos, unidos, para vencer a crise.

Gosto

+ No parlamento Europeu, as comissões dos orçamentos e da economia aprovaram uma nova proposta para o programa InvestEU -do qual sou relator- para ter em conta o impacto da crise provocada pela Covid-19. O programa, que vigorará de 2021 a 2027, reúne todos os instrumentos financeiros atualmente disponíveis no âmbito do orçamento da UE (incluindo o ‘Plano Juncker’). Inicialmente projetado para mobilizar 650 mil milhões de euros em investimentos públicos e privados, passará a ter como objetivo mobilizar mais de 1 bilião de euros em investimentos públicos e privados. Abrange áreas essenciais, como as infraestruturas sustentáveis, a investigação, a área social e, sobretudo, o apoio às Pequenas e Médias Empresas. Acrescentamos uma “janela” para apoiar a solvabilidade das empresas.

 

+ A concretização de uma eventual Candidatura dos ‘Cantares ao Desafio’ a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO é uma causa assumida publicamente por Augusto Canário e acompanhada por todos os defensores e promotores das nossas tradições genuínas. A sua riqueza e importância cultural, social e também económica ultrapassam as fronteiras do Minho e do interior Norte. É uma manifestação que abrange diferentes gerações, com muitos bons exemplos de jovens que se têm afirmado nesta arte popular, e que se estende além-fronteiras e que em muito contribui para a solidificação da identidade e das raízes dos nossos emigrantes.

 

 

Não-Gosto

– A pandemia Covid-19 está a demonstrar, infelizmente e mais uma vez, como é difícil aprender com os erros. Com custos agravados para todos. Os portugueses foram extremamente elogiados pela forma empenhada, livre e voluntariosa como foram capazes de alterar hábitos e rotinas para melhor se adaptarem a medidas preventivas que ajudaram a travar a propagação do vírus. Mas isso perdeu-se. Depois de tantas contradições do governo PS, nos atos e na propaganda, não há paciência e boa vontade que aguente. A produção diária de conferências de imprensa e discursos de propaganda política tornaram evidente o desnorte do governo. Disso foram evidentes as contradições no anúncio das medidas reforçadas para o fim-de-semana de Finados. As proibições afinal eram só recomendações.

 

– A proposta de Orçamento do Estado para 2021 apresentada pelo governo PS foi aprovada na generalidade por uma maioria escassa na Assembleia da República, graças a um jogo de abstenções de deputados ‘independentes’ e da CDU. Desde a escandalosa permissão da Festa do Avante – só superada em quantidade de público autorizada pelo GP Fórmula 1 – que estava garantida a anuência do Partido Comunista. O governo ganhou um orçamento. Mas o país perdeu. Já não bastavam os custos acrescidos provocados pela crise pandémica, ainda teremos de juntar os custos de acordos de circunstância, que vêm acentuar a tendência de um orçamento ideológico, sem visão estratégica, sem recursos para apoiar a economia e o desenvolvimento do país.