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Uma lição: Haja Humanidade!

Um imenso campo de refugiados, a inquietude e a apreensão de jovens sírios que pretendem ingressar no ensino superior, uma família síria com 7 filhos, 6 deles deficientes… mas que só reclama urgência e atenção para aqueles que ficaram na Síria! São marcas, imagens que ficam na memória de uma visita de trabalho à Jordânia.

A Jordânia tem 9,5 milhões de habitantes, sendo que 3 milhões são “estrangeiros” (cerca de 1 milhão de sírios e 2 milhões de palestinianos). Também aqui se vive e sente intensamente o drama dos refugiados.

No âmbito desta visita de uma delegação da comissão de orçamentos, tivemos reuniões com os embaixadores da UE, o Ministro do Planeamento e Cooperação Internacional, Mr. Imad Fakhoury, e as instituições que trabalham no terreno com os refugiados.

O campo de Azraq, situado numa área deserta, tem mais de 20.000 refugiados. Mais de metade são crianças. Existe desde 2014 e prepara-se para receber mais uns milhares de refugiados. Nas suas instalações funcionam escolas e um hospital com 300 camas.

Estive com jovens sírios que vão concorrer ao ensino superior na Jordânia. Não esquecerei o seu olhar triste e inquieto. Desconfiam. Têm dúvidas que sejam aceites nas instituições de ensino superior, mesmo que o exame lhes corra bem. Pergunto-lhes o que pretendem seguir. Dividem-se entre engenharia, medicina e direito. Fazem uma única queixa: têm problemas de energia e à noite não conseguem estudar. Estudam de dia, com 42 graus e em instalações que parecem um forno!

No contacto com as famílias dentro do campo constatei um sentimento unânime: regressam à Síria logo que haja paz. As crianças… sinto-as felizes.

 

Uma família síria com 7 filhos, 6 deles deficientes

Fora do campo, em Zarqa, visitamos uma família que tem 7 filhos, sendo que 6 têm dificuldades motoras. O mais velho está completamente paralisado e 3 estão em cadeiras de rodas.

A visita a esta família marcou-nos. O chefe da família, pai dos 7 filhos, diz-nos que da UE só quer Humanidade. Afirma que ele, a esposa e os filhos estão bem! Mas diz-nos com voz enervada que nos esquecemos dos que estão na Síria. Repete vezes sem fim que a UE tem de acabar com a guerra na Síria. Afirma que há dezenas de milhares de sírios a morrer à fome, sem medicamentos, e que a ajuda humanitária não lhes chega. Sabemos que é verdade. Faz relatos terríveis que não escrevo. Na conversa é violento com a UE. Acusa-nos de passividade. Considera que os Estados Unidos não querem saber e tem de ser a UE a atuar. Vamos dizendo que estamos a fazer um enorme esforço financeiro com os refugiados, mas ele não desarma e insiste: E os que estão na Síria? Onde está a vossa defesa dos direitos humanos?

Com a voz embargada, diz-nos: sejam mensageiros, falem com os vossos governos. E repete: tem de haver humanidade!

Agradeceu várias vezes a ajuda que a UE lhe dá. Sabemos que recebe por mês cerca de 200 euros para sustentar a família. O custo de vida na Jordânia não é barato. Mas afirma que estão muito bem e que não nos devemos preocupar com ele!

No final, pergunto-lhe o que fazia na Síria. Explica-me que era criador de gado. Ficou sem nada. Diz que não conseguiria imaginar o que passou e o que pagou, para trazer para a Jordânia, de forma disfarçada, em camiões, os filhos deficientes.

Foi o depoimento mais duro e frontal que ouvi até hoje. Foi uma lição. Só pediu para os outros. Reclamou simplesmente Humanidade!

Ele tem razão! Afinal que mundo é este? Assistimos indiferentes? Vamos esperar que a população síria morra toda?

Há quem refira que já morreram cerca de 500 mil sírios. Mas também há quem afirma que já passa de um milhão.

Em cada número, está uma pessoa, uma vida, sonhos que foram destruídos. Para mim, está uma alma, igual.

Não posso fazer muito. Mas procuro contagiar. Afinal, foi o que ele pediu. Logo nessa noite, insisti com os embaixadores da UE num encontro que tivemos, hoje escrevo, amanhã continuarei.

José Manuel Fernandes

Azraq, Jordânia