O Parlamento Europeu pediu, a Alemanha e a França concordaram, a Comissão Europeia propôs o Fundo de Recuperação da economia. A proposta é inovadora e era impensável há poucos meses. Significa solidariedade e partilha de riscos. Inaugura uma nova visão para a Europa.
Este Fundo, de 750 mil milhões de euros, pretende ajudar os Estados-membros a repararem danos e a saírem fortalecidos da crise, relançar a economia e apoiar o investimento privado, reforçar a saúde e a proteção civil. O combate às alterações climáticas, o digital e o pilar social deverão guiar os investimentos.
O montante do Fundo resulta de um empréstimo com base em garantias do orçamento da UE. A novidade é que, daquele montante, 500 mil milhões serão “transformados” em subvenções que vão reforçar programas e fundos existentes, assim como criar outros. Os restantes 250 mil milhões serão emprestados aos Estados-membros, numa base voluntária, sendo contabilizados na respetiva dívida pública. Neste caso, não há novidade na solução: é assim que funciona o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, criado em 2010, com garantias do orçamento da UE e que emprestou dinheiro a Portugal, Grécia e Irlanda.
O Fundo tem caráter de excecionalidade e vigorará até 2024. Há agora um consenso alargado no Conselho quanto aos inéditos Recovery Bonds. O que era impossível, afinal aconteceu. Mas não nos iludamos: é graças ao medo da desintegração da Zona Euro e à necessidade de um rápido restabelecimento do mercado interno. É que os países “frugais” – Holanda, Suécia, Áustria e Dinamarca – são dos que mais beneficiam do mercado interno, mas dependem do consumo e do poder de compra dos países do Sul. Como afirmo constantemente, na UE todos os países são beneficiários líquidos.
A proposta da Comissão é inteligente e “malandra”. Por um lado, a Comissão divulga a chave de distribuição do Fundo. Agora, que os montantes são públicos, ninguém aceitará receber menos. Portugal receberá em subvenções 15,5 mil milhões de euros e terá disponível em empréstimos 10,8 mil milhões de euros.
Por outro lado, o orçamento da UE pagará o empréstimo relativo às subvenções. Os juros serão pagos desde já, mas as amortizações só o serão a partir de 2028 e podem estender-se até 2058. Tal obriga a novos recursos próprios para se financiar o orçamento. Sem isso, as contribuições nacionais terão de aumentar ou, caso contrário, teremos, a partir de 2028, um orçamento reduzido e com cortes – nomeadamente, na Política de Coesão e na PAC.
Em simultâneo, a Comissão Europeia apresentou uma nova proposta para o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021/2027, que é inferior à de maio de 2018 em 34,6 mil milhões de euros. No entanto, QFP e Fundo de Recuperação, em conjunto, são superiores a essa proposta em 715,4 mil milhões de euros.
Estou certo de que, no verão, teremos acordo, ou seja, unanimidade no Conselho Europeu. Os montantes poderão ser ligeiramente diferentes. Mas serão desta ordem de grandeza.
A proposta do QFP atribui a Portugal cerca de 33 mil milhões de euros, a preços correntes: 23.861M€ na Política de Coesão, 4.214,40M€ em pagamentos diretos, 3.452,50M€ no Desenvolvimento Rural, 378,57M€ no FEAMP, 715M€ no POSEI, 454M€ em ajudas de mercado. Os montantes são atualizados com um deflator anual de 2%. Os preços constantes são inferiores aos correntes, porque não têm essa atualização. Há quem, antes da negociação, apresente os preços constantes e, depois, venha com preços correntes – o que efetivamente se recebe – para afirmar ganhos ou esconder cortes.
Só em subvenções, Portugal receberá 48,5 mil milhões de euros (33 mil milhões do QFP e 15,5 mil milhões do Fundo). Um montante nunca antes recebido! Acresce que haverá uma antecipação dos montantes da Política de Coesão. O Governo tem de definir com urgência o que pretende fazer com esta montanha de dinheiro, envolvendo os agentes sociais e de desenvolvimento, como autarquias, empresas, IPSS e universidades. Para além disso, em empréstimos a taxas de juro altamente favoráveis, teremos disponível um montante superior ao das subvenções. Não faltará dinheiro.
Beneficiando ainda da flexibilidade existente e do cofinanciamento de 100%, pelo menos até junho de 2021, o Governo terá a tentação de financiar o Estado com esta enorme “pipa de massa”. Não podemos aceitar. Temos de estar muito atentos. Portugal precisa destes recursos para reforçar a competitividade e a produtividade, criar emprego e atingir a coesão territorial, económica e social.