O medo continua a mandar. Foi o medo de novas guerras que esteve na génese da União Europeia. O objectivo da paz foi de tal modo conseguido que não o valorizamos e consideramo-lo, embora erradamente, como absolutamente adquirido. O medo e as crises levaram à integração, à criação de uma moeda única, ao avanço para uma União Bancária, à concretização do mecanismo europeu de estabilidade.
Também é o medo à globalização que leva ao proteccionismo, ao “orgulhosamente sós”, à construção de muros. Os radicais de direita e esquerda crescem prometendo a mesma solução: uma sociedade fechada. Esquecem-se que há internet, a economia está desmaterializada e não há o conceito tradicional de território.
O que precisamos é de uma sociedade aberta, sem muros, tolerante e solidária. O combate ao terrorismo e às alterações climáticas, a luta contra a fraude e evasão fiscal, são exemplos de que só uma acção conjunta, coordenada e partilhada terá sucesso.
O ódio está a associar-se ao medo. O fenómeno é à escala global. O nacionalismo está cada vez mais vincado e presente. O ‘Brexit’ ganhou porque o Reino Unido pensa que pode ser uma “ilha”. Se o euro fosse a moeda do Reino Unido, não tenho dúvidas que seria apresentado como um dos culpados do ‘Brexit’. Culpa-se a União Europeia, a livre circulação, os emigrantes. No Brexit ganhou o ódio, o racismo, a xenofobia.
Nos Estados Unidos, a esquerda radical não pode culpar nem a União Europeia, nem a austeridade, pela vitória de Trump. Este prometeu – sobretudo – devolver o orgulho aos americanos. Esta é, aliás, a mesma receita que o Sr. Putin utiliza, pretendendo ressuscitar a ex-União Soviética. Para isso, procura desestabilizar a UE, através da guerra na Síria e do financiamento à extrema-direita e extrema-esquerda europeias.
Nunca nos devíamos esquecer da frase de François Miterrand: “le nationalisme c’est la guerre”. Nas Filipinas, o Presidente Duterte incita a que a se matem os traficantes e consumidores de droga, tal como ele próprio admite já ter feito!
Estes são os factos de 2016. O mundo está cada vez mais perigoso, com líderes medíocres e sem valores.
Vivemos na sociedade do “instagram” e do “snapchat”. É o instantâneo que comanda. O imediato é o que importa. As promessas fáceis e as mentiras de campanha triunfam. Repare-se nas campanhas e nos resultados dos referendos: discute-se tudo, menos o que é perguntado!
Em 2017, teremos eleições em França e na Alemanha. Espero que os moderados vençam as eleições. Em França, é praticamente certo que Marine Le Pen passe à segunda volta das eleições presidenciais. Se, porventura, ganhasse, seria o fim da União Europeia. Na Alemanha, a Sra Merkel vai enfrentar o crescimento da extrema-direita. Espero que a coragem que Merkel demonstrou na crise dos refugiados não a penalize. Seria extremamente injusto. Afinal, a Sra Merkel foi a única que defendeu os valores europeus. Praticou a solidariedade.
Perante toda esta incerteza, Portugal devia ser prudente, até porque estamos numa situação de fragilidade. O ambiente de serenidade e paz social e institucional é positivo, mas não disfarça o crescimento económico anémico, a ausência de investimentos, a queda nas exportações. Portugal é o único país do euro que não consegue baixar a fatia de juros em 2017, que vai atingir os 4,3% do PIB. A situação agrava-se quando verificamos que o BCE reduziu o ritmo de compra de dívida de Portugal.
Temos de fazer mais e melhor e aproveitar o facto de termos a nossa auto-estima em alta. Ganhamos o título de campeão europeu de futebol, Cristiano Ronaldo voltou a ganhar a bola de ouro, António Guterres foi eleito secretário-geral da ONU, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, está em todo o lado a distribuir afectos.
Em 2017, teremos as dificuldades. Mas não podemos perder a confiança. Já provamos que somos fortes e capazes. Enfrentemos a realidade com competência, prudência e optimismo.
Gosto
• O comissário Carlos Moedas esteve no Minho, no âmbito do Roteiro da Ciência. Nos concelhos de Vila Nova de Famalicão, Guimarães e Braga, comprovou a força da região na investigação e inovação. Temos investigadores e empresas que estão no topo mundial.
• O porto de mar de Viana do Castelo vai ser contemplado com um investimento de 24,5 milhões de euros. Espero que o reconhecimento da importância do investimento nas infra-estruturas e nos acessos para promover o desenvolvimento económico se estenda a zonas industriais actualmente estranguladas.
Não-Gosto
• Depois de Paris e Bruxelas, tivemos mais um atentado terrorista, desta vez em Berlim. Não podemos desistir dos princípios e valores europeus. Queremos liberdade e defendemos o estado de Direito, a tolerância e a solidariedade.
• Centenas de raparigas quenianas terão de passar o Natal nas escolas, e não com as famílias, para evitar que os pais as sujeitem à mutilação genital feminina – que é proibida desde 2011, mas que continua ser prática comum em muitas regiões do país.