Artigo de Opinião, Opinião Recente

Como seria com maioria absoluta?

A construção de um novo aeroporto em Portugal faz correr tinta há mais de meio século. As soluções avançadas quanto à localização da obra são muitas, as mais das vezes controversas. Em 2007, o ministro Mário Lino afirmava que “jamais” seria construído um aeroporto na margem sul do Tejo. Para o ministro das Obras Públicas socialista, a margem sul era mesmo um “deserto”. Hoje, António Costa quer fazer a obra precisamente no local ridicularizado pelo seu antigo colega de governo.

O Montijo até pode ser a melhor solução. Mas onde estão as análises a comprová-lo? Num país pejado de papéis, repleto de estudos, com documentos sobre tudo e mais alguma coisa, como é possível ainda não haver estudos comparativos entre esta opção e outras, quando é sabido que a obra afetará zonas particularmente sensíveis do ponto de vista ambiental e custará cerca de 1,3 mil milhões de euros ao erário público? Salta à vista uma gritante ausência de planeamento, de precaução e de responsabilidade na condução deste processo.

Esta é mais uma novela em que o PS se enovela em prejuízo do país. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil chumbou a construção do aeroporto no Montijo porque existe “suscetibilidade elevada” a sismos e maremotos, bem como um risco de acidentes com aves e aeronaves. Mas o secretário de Estado adjunto e das Comunicações, Alberto Souto de Miranda, veio dizer que “os pássaros não são estúpidos e é provável que se adaptem”. Trump não faria pior…

Porventura mais grave, e com consequências para o futuro, é o facto de não ter havido um diálogo inaugural com as partes potencialmente afetadas pela obra: nomeadamente empresas, associações e autarquias locais. Nada a que o governo de Costa não nos venha habituando: primeiro decide, depois debate; primeiro avança, depois pensa; e no fim recua. Quem não se lembra da polémica deslocalização do INFARMED?

Sucede que, neste caso, não é só o interesse público que está em risco, senão também o Estado de Direito e a autonomia local em Portugal. Para construir o novo aeroporto, os socialistas querem silenciar as autarquias locais. Por isso, o ministro das Infraestruturas veio dizer que a legislação que dá voz aos municípios é “estúpida”, “desproporcional” e “desajustada”. Só que esta legislação tinha sido feita há mais de uma década, pelo seu homólogo socialista, durante o governo de José Sócrates.

Na verdade, o Decreto-Lei em causa foi aprovado e publicado pelos socialistas em 2010. De acordo com o diploma, a apreciação prévia da viabilidade do projeto depende de parecer favorável das câmaras municipais potencialmente afetadas. Isto significa, no caso concreto, que a construção do novo aeroporto no Montijo só avançará se houver a concordância dos municípios potencialmente afetados.

É evidente que o novo aeroporto terá um impacto muito mais direto nalguns territórios do que noutros. Pelo que é saudável que estas áreas tenham voz. Por isso, a legislação prevê que os municípios deem o seu parecer antes da obra ter início, mas não lhes atribui poder de decisão, que continua a pertencer ao Governo.

Neste caso, porém, o Governo quer decidir sem dialogar. Para isso, propõe-se mudar a lei de modo a silenciar os municípios! Isto é grave, muito grave. Espero que os partidos políticos representados na Assembleia da República não se deixem instrumentalizar.

A chantagem de António Costa é censurável, típica de um primeiro-ministro iliberal. Este ‘bullying’ sobre os autarcas – eleitos democraticamente pelos portugueses, com uma legitimidade democrática direta que o próprio primeiro-ministro não tem -, é inaceitável. Sobretudo quando se sabe que o parecer desfavorável de algumas das autarquias envolvidas é partilhado por outras entidades.

Mas ainda que não fosse, ou seja, mesmo que não se concorde com a posição das autarquias, não pode pura e simplesmente alterar-se a lei em função do caso concreto. É a confiança dos Portugueses nas instituições que está em causa. É o executivo nacional como instituição de boa-fé. É o Estado de Direito e o princípio de que não pode haver leis feitas à medida.

Em suma, António Costa respeita o poder local desde que este tenha o seu entendimento e preferencialmente a sua cor política, mas entende que este deve ser ultrapassado quando tem um entendimento diferente. A descentralização dos socialistas é só nas proclamações, no ecrã das televisões, mas não na ação. Numa manobra de marketing, António Costa organiza as reuniões do Conselho de Ministros fora de Lisboa. Mas, chegada a hora de verdadeiramente dar voz às freguesias, aos municípios e às regiões, não hesita em passar por cima do poder local. Mesmo que para isso tenha de mudar a lei! É assim sem maioria absoluta. Como seria com maioria absoluta?

Gosto

• A União Europeia propõe-se a concretizar uma nova estratégica com África. O objetivo é intensificar a cooperação em domínios como transição ecológica, transformação digital, crescimento sustentável e emprego, paz e governação migração e mobilidade. Temos desafios comuns a vencer. Também no interesse da UE, é fundamental e urgente que não fiquemos pelas intenções. 

• Face à epidemia provocada pelo Covid-19, o estado geral de alerta e de sensibilização para assumir medidas preventivas pode ajudar a diminuir os riscos elevados de propagação. Portugal está numa fase inicial de contaminação e é importante que retire ensinamentos do que se tem passado no resto do mundo, tomando medidas que podem parecer drásticas, mas que acima de tudo têm o objetivo de contribuir para defender a vida e a saúde das pessoas. 

Não-Gosto

• Apesar de todos os alertas e esforços, a desigualdade de género continua a pesar em Portugal e na Europa. As mulheres ganham menos 16% pelo mesmo trabalho feito por homens. Só chegam a 8% dos lugares de chefia nas empresas. E pior de tudo é o número de mortes por violência doméstica: 26 em Portugal, em 2019. Além de legislação adequada, é preciso um sobressalto cívico que provoque uma mudança cultural.  Todos perdemos com a desigualdade de género.

• A Turquia decidiu deixar de acolher os refugiados da guerra síria, ignorando os acordos celebrados e os apoios financeiros recebidos da União Europeia. Em causa está uma nova crise humanitária, à qual todos os Estados-Membros deveriam responder de forma coordenada e solidária. Sofrem os milhões de refugiados sírios, enquanto Erdogan procura tirar ganhos políticos internos e mais dividendos financeiros.