José Manuel Fernandes é deputado ao Parlamento Europeu desde 2009. Natural de Vila Verde, é coordenador do Partido Popular Europeu na comissão do orçamento da União Europeia. Aproveitamos o Trânsito de São Bento, Patrono da Europa (que foi celebrado a 21 de Março), para conversar com o representante português e minhoto sobre o momento que a União atravessa actualmente.
A última década tem sido significado de várias crises para a Europa e para a União Europeia. Em que ponto está a União hoje?
A União Europeia tem avançado nas crises. Tem avançado com base no medo. Por isso, reage em vez de agir. É reactiva em vez de proactiva. Não previne. Está à espera, sempre, que as opiniões públicas sejam arrastadas para algumas decisões que são elas próprias que impõem. Vamos ao início da construção da União Europeia, que foi construída com base no medo de novas guerras. Construiu-se a União Europeia porque tivemos guerras. Se quiser olhar para a integração, ela avançou também com base no medo. Nós criamos um Mecanismo Europeu de Estabilidade para proteger os países que estavam a sofrer a crise das dívidas soberanas porque houve um medo de contágio, porque aquilo não ficaria só pela Grécia e Portugal. Nós avançamos, pela primeira vez na nossa história, com aquilo que é conhecido por “bazuca” – embora o nome seja infeliz –, que é o NextGenerationEU, com medo das repercussões da pandemia, que seriam enormes. Com base numa garantia comum do orçamento, em partilha e solidariedade, foi-se aos mercados buscar dinheiro para entregar aos Estados-membros 390 mil milhões de euros em subvenções e 360 mil milhões de euros em empréstimos, que os países se responsabilizam a pagar. Os 390 mil milhões vão ser pagos pelo orçamento da União, até 2058.
Aquilo que tem existido é muita reacção e pouca acção, e tem aqui mais uma prova: faz algum sentido, depois de tantos anos a falar disto, a nossa dependência energética em relação à Rússia? Nós fomos ficar nas mãos de uma ditadura? Podia-se dizer que pensavamos que não ia ser assim, mas é preciso ver que já houve um ataque à Geórgia, que a Rússia nunca cumpriu nenhum acordo – podemos começar pelo Memorando de Budapeste, de 1994, em que a Ucrânia entregou as armas nucleares e a Rússia se comprometeu a respeitar a sua integridade territorial, e falar ainda dos Acordos de Minsk –, anexou a Crimeia, envenenou, em solo europeu, membros da oposição, na Síria tentou destruir o máximo e causar uma onda de refugiados para nos dividir, está sempre a fazer a bullying sobre a Suécia e sobre a Finlândia, e constantemente com ciberataques e com influência em referendos como o Brexit e eleições nos Estados Unidos da América. Portanto, não vejo qual era a surpresa dessa possibilidade. Se formos simpáticos, dizemos que fomos ingénuos, mas se calhar fomos é interesseiros. Tínhamos a energia mais barata e não nos importamos com as consequências, e depois tínhamos sempre a esperança que isto não acontecesse.
O que tem faltado é União. Se tivéssemos uma união de defesa, e se tivéssemos investido em termos militares, esta situação, possivelmente, não aconteceria, e depois não estávamos sempre à espera que os Estados Unidos nos viessem salvar. Agora também percebemos que não estamos livres que os Estados Unidos tenham sempre um Trump, e ficamos entregues a nós próprios. Mas também falta, para além da união da energia que agora é visível – nós produzimos energia eólica em Portugal que depois não é aproveitada porque não existe essa conexão [ao resto da Europa], por exemplo –, e para além da união da defesa, a própria pandemia veio demonstrar que teria sido um desastre se não tivéssemos avançado para a compra de vacinas em conjunto, porque o que iria acontecer era uma escalada de preços e que os estados mais ricos iriam açambarcar as vacinas todas, e só quando estivessem todos vacinados 34 vezes é que nós tínhamos acesso às vacinas. Começa-se também a pôr a questão da nossa soberania alimentar. Eu já vejo alguns quase-nacionalistas a dizer que se calhar é boa ideia a União Europeia avançar para a compra de cereais em conjunto precisamente para que não sejam os mais ricos a fazer o açambarcamento. Isto para dizer que nós precisamos de prevenir, de agir.
Eu tenho sido muito crítico e tenho dito que temos governantes e devíamos ter líderes, e os líderes não têm medo de perder eleições e não estão sempre à espera da opinião pública perceber que não há alternativa ou sempre à espera de sondagens ou manifestações, e temos que ter uma autonomia estratégica com outra questão em mente: nós somos um espaço de valores europeus, do estado de direito, da democracia, valores cristãos como a solidariedade, a defesa intransigente da dignidade humana, o princípio da igualdade… Tudo isto tem que ser a nossa base, e é isto tudo que também está a ser atacado. Na Ucrânia nós temos um povo muito corajoso que também está a lutar por nós, pelos nossos valores e pela nossa democracia, e foi graças a eles e ao presidente Zelensky que a opinião pública mundial foi contagiada, o que, por sua vez, pressionou os governos, e só depois disso tivemos as sanções. É preciso perceber este encadeamento, onde os jornalistas e a imprensa teve um papel muito importante.
Há aqui uma luta muito importante entre ditadura e democracia, entre alguém que sonha com o antigo território da União Soviética, e alguém que quer direitos fundamentais, valores, democracia, estado de direito… Parece-me mais que claro que Putin não quer ficar por ali. Se você olhar para a Moldávia, há lá um espaço que se chama Transnístria, uma república separatista pró-russa não reconhecida em que é muito fácil arranjar um pretexto para ‘defender’ e ‘proteger’ os russos daquela zona de agressões. E também me é claro que, se não fosse a NATO, as coisas seriam mais simples para Putin. Vai-nos valendo a NATO e percebe-se a sua importância, e também se percebe porque é que há partidos que são contra a NATO, porque era uma forma da Rússia já estar na própria União Europeia, e isso também fica agora muito mais claro.
Hoje percebe-se melhor. Ficou mais barato para todos comprar as vacinas em conjunto do que comprar individualmente. Paga-se menos pela dívida se a garantia for comum. Na união da defesa, em vez de ter dezenas de tanques e caças diferentes, pode haver partilha na compra, na investigação e inovação para cooperar. Nós temos muito a poupar se partilharmos.
A sua opinião coincide com muitas críticas recentes, que apontam que a União apenas avança com crises como a das dívidas soberanas e do Euro, o Brexit, a pandemia e esta invasão russa da Ucrânia. Só mesmo com as crises é que a União fica mais forte?
A União Europeia só avança no último minuto, no último segundo, às vezes, com base na crise e porque percebe que não tem alternativa. Só assim é que avançou para a emissão conjunta das recovery bonds, com a partilha de uma garantia e de uma dívida comum para investimentos. Agora, nós, se nos quisermos defender – sobretudo um país com a nossa dimensão –, começa a ficar mais claro que, para haver soberania nacional, precisamos do reforço da soberania europeia. Ao nível da União Europeia, temos que ter autonomia estratégica. Isto leva a outros pontos, nós temos que ter semi-condutores, temos que ter matérias primas críticas, temos que ter soberania alimentar. Isto não significa que se tenha uma Europa fechada, eu sou a favor de uma Europa aberta, mas significa que nós não podemos ser ingénuos ou demasiado interesseiros… É ver o custo que tem e que terá o laxismo e a nossa dependência em relação à Rússia. É algo que se sabia que não podia acontecer, mas só depois de se tomarem determinadas decisões é que se percebem as consequências.
O Brexit levou a que outros Estados-membros nunca mais pusessem a possibilidade de sair, e o Brexit foi muito mau para toda a União Europeia, mas muitíssimo mau para o Reino Unido. Eles só falavam da questão do orçamento, do dinheiro que entregavam, e nunca falavam do dinheiro que recebiam, o desconto que tinham e, mais do que tudo isso, os benefícios que tinham no mercado interno. Os países que mais contribuem são, no fim de contas, os que mais recebem deste mercado interno de agora 450 milhões de pessoas. A percepção errada não é culpa das pessoas, é dos governantes, que faz as pessoas pensar que o orçamento da União Europeia é mau quando representa apenas 1% do PIB e queremos que faça tudo – e devia ser reforçado, e até podia levar a poupanças a vários níveis. Hoje percebe-se melhor. Ficou mais barato para todos comprar as vacinas em conjunto do que comprar individualmente. Paga-se menos pela dívida se a garantia for comum. Na união da defesa, em vez de ter dezenas de tanques e caças diferentes, pode haver partilha na compra, na investigação e inovação para cooperar. Nós temos muito a poupar se partilharmos.
A União Europeia é um projecto económico e um projecto de progresso, mas é, sobretudo, e foi por aí que começou, um projecto de paz. O sucesso foi de tal forma que nós nunca mais tivemos guerra dentro da União Europeia, nem vamos ter. Nunca teremos, estou convencido. É um sucesso absoluto que nós só agora valorizamos.
Se olharmos para os aliados da Rússia, vemos que votaram com eles, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Bielorrússia, a Coreia do Norte, a Síria, a Eritreia… Que grandes democracias! E mesmo entre os que se abstiveram, não são propriamente países democráticos. Isto também é uma guerra entre a ditadura e a democracia.
Focando mais na situação actual, no contexto também das sanções europeias, como é que a União pode proteger os cidadãos europeus das consequências económicas e financeiras?
Cada um tem que fazer a sua parte. Sobre isso, acho completamente imoral e completamente indigno a posição de um Governo que lucra, que enche os cofres do Estado com o sofrimento das pessoas e das famílias, com a guerra. Não sei se já notou mas, se um depósito custar 100 euros, o Governo fica com 61 euros, mas se o mesmo depósito custar 200, fica com o dobro, com 122 euros. 61% é a percentagem dos impostos. Havia aqui um mínimo, que é: se o barril de petróleo aumentar, automaticamente deviam baixar os outros impostos, ISP e/ou IVA, de forma a que a receita do Estado fosse a mesma, e para não prejudicar as pessoas. Nunca aumentariam na dimensão das últimas semanas. O Governo aí até falhou uma promessa, que é a remoção do adicional ao ISP. Nunca mais o fez. Isto era o mínimo. Já não estou a pedir para fazer como o Luxemburgo, que desceu os combustíveis na semana passada em 41 cêntimos. Não é nada disso. Portugal, se quiser, pede para descer o IVA à União Europeia e a União Europeia baixa-o. Portugal, se quiser, nem precisa de pedir, baixa o ISP e ponto. Basta olhar para a Polónia e para os preços de combustíveis, que são quase metade. Isso fica nas mãos dos Estados-membros.
A Comissão Europeia já autorizou as ajudas de Estado às pequenas e médias empresas, a ajuda a famílias mais vulneráveis, mas isso não é de agora. Eu diria que isto está mais nas mãos de cada Estado-membro do que propriamente da Comissão Europeia. O problema da união de energia não tem sido nem na Comissão Europeia nem no Parlamento, tem sido entre os Estados-membros e devido aos egoísmos nacionais. A França, por exemplo, não quer deixar passar energia nos Pirinéus. Ainda na semana passada vários deputados do PSD, em conjunto com colegas espanhóis e franceses do PPE, escrevemos à presidente da Comissão, a Macron e a Charles Michel [presidente do Conselho Europeu] para dizer para avançar com esta união de energia e deixarem de bloquear o mercado interno e esta ligação. Em termos da própria regulação e tudo isso, ainda há trabalho a fazer em conjunto, mas a questão o ISP e do IVA fica com cada Estado-membro. Em termos de impostos sobre a própria electricidade, nós estamos apenas atrás da Alemanha e Dinamarca. Eu já não vou ao ponto de baixar e perder alguma receita para manter o preço. Mesmo com a inflação, como o IVA incide sobre o preço, existe um aumento da receita para o Estado. Pelo menos que o Estado não se aproveite do sofrimento das famílias e do sofrimento da guerra.
Ainda sobre esta situação, há quem ache que agora estamos num caminho em direcção à criação de um exército europeu. Concorda com isso?
Não vou dizer que é um exército europeu. Isso são outras confusões. Para já eu sou a favor de uma força de intervenção rápida. É ver o que aconteceu no Afeganistão, onde tivemos grandes dificuldades em retirarmos cidadãos europeus de lá. Essa força também poderia ter funções de ajuda em termos de Protecção Civil, no caso de alguma calamidade que acontecesse. Não estou totalmente certo que se possam misturar as coisas, mas não excluía este outro elemento. Aquilo que era importante é que cada um fizesse o investimento que deve fazer em termos de NATO e que conseguissem partilhar, que houvesse interoperabilidade também neste domínio.
A despesa da União em defesa é cerca de metade da dos Estados Unidos, mas depois temos 178 tipos de sistemas de armamento e os EUA têm 30, temos 17 tipos de tanque de combate diferentes e os EUA têm um, temos 29 tipos de fragatas e os Estados Unidos têm quatro, e temos 20 tipos de caças enquanto os Estados Unidos têm seis. Pode-se, com o mesmo dinheiro, fazer muitíssimo mais. O que leva a um outro ponto, que é, através desta união da defesa, evitar desconfianças entre Estados-membros e o ressurgir de confusões. Isto é sobretudo necessário para a defesa dos cidadãos e para ter um efeito dissuasor em relação a um vizinho que temos chamado Putin.
Já falou de como a União Europeia nasceu como um projecto de paz. Esse exército europeu ou força de intervenção rápida seriam, assim, um mecanismo de defesa da paz?
Num mundo ideal, não tínhamos polícias, nem andavam armados. Num mundo lírico, não havia armas, nem guerra. Quando se tem um vizinho que lhe aponta uma arma e lhe diz que vai invadir a sua casa, e que está constantemente a ameaçá-lo, se você lhe mostra só o cabo da vassoura, não o assusta. Por isso eu referi que é numa perspectiva de protecção, numa perspectiva de defesa. Eu não tenho a mínima dúvida que, se não estivéssemos na NATO, o senhor Putin já teria entrado por aí adentro. Aliás, cada um de nós tem visões diferentes. Os meus colegas de Leste já nos avisavam há anos que isto iria acontecer. Se no início eu achava que eles estavam a exagerar, passado algum tempo eu comecei a dar-lhes razão. Acabou mesmo por acontecer. Eles, no fundo, sabiam que ia acontecer e que Putin se estava a preparar.
Uma coisa é saber-se que vai acontecer e haver gente que avisa para isso, outra coisa é nós não querermos que aconteça, e por nós não querermos que aconteça e termos a esperança que não aconteça, acharmos que não vai acontecer. Não funciona assim. A esse nível, mesmo o investimento na NATO é um investimento necessário. Mas isso não pode significar que se fica dependente da NATO. Imagine o que era ter o senhor Trump neste momento, um admirador do senhor Putin, que o ajudou nas eleições, alguém completamente imprevisível…
No início falou de uma falta de estratégia da União Europeia, que não previne as crises. No início da pandemia corremos a ir comprar equipamento hospitalar, como ventiladores, e de protecção individual à China, onde eles eram produzidos…
Aliás, fizemos pior, chegamos a vender ventiladores à China em Janeiro, e depois não tínhamos ventiladores, e tivemos que os ir comprar à China. A esse nível, a união da saúde é fundamental, mais uma vez, para uma autonomia estratégica.
…É necessário mudar a arquitectura da União Europeia para melhor enfrentar o futuro? Por exemplo, com a necessidade de unanimidade entre Estados-membros para tomar decisões, é fácil um país apenas prejudicar o resto da União.
O problema não está na unanimidade, que até protege os mais pequenos. O problema está no mau uso dessa unanimidade. O problema está na utilização dessa unanimidade para se fazer chantagem. Isso já aconteceu, por exemplo, com a Hungria e a Polónia, que disseram que só aprovavam a emissão de dívida conjunta para o programa de recuperação se um regulamento onde já havia acordo fosse alterado. Fizeram finca-pé mas não lhes adiantou de nada e acabaram por dar a unanimidade na questão dos recursos conjuntos. Por vezes a unanimidade é, efectivamente, bloqueio, mas é preciso não esquecer que também há sempre a possibilidade de haver a cooperação reforçada.
Mas, antes de se falar em mudanças desse tipo, nós não podemos estar a querer financiar tudo, e que a União Europeia faça tudo e tenha cada vez mais competências, que reforce fundos, e não dar os recursos necessários. Nós temos que ter consciência que o orçamento da União é cerca de 1% do PIB da própria União, e com esse 1% do PIB não se pode fazer tudo. Depois de 2028, o custo da dívida – o dinheiro que se foi buscar para a ‘bazuca’ –, representa 15 mil milhões de euros por ano, que têm que se pagar, evidentemente. Para se pagar esses 15 mil milhões de euros, o que nós defendemos é novas receitas, com um princípio simples: quem não paga, deve pagar. Devem ser receitas que devem contribuir para uma concorrência leal, e para ajudar na questão ambiental. Por isso é que temos a proposta do mecanismo de ajustamento de carbono nas fronteiras, que se trata precisamente de fazer com que países que exportam para a União Europeia, que não têm os mesmos padrões ambientais e não estão no mercado das licenças de emissão, paguem uma taxa como se estivessem a produzir os seus bens aqui. É uma nova receita, é uma forma de dizer às nossas empresas que, se saírem, vão ser taxadas ao exportar para aqui, e é uma forma de termos um melhor ambiente.
À escala global também seria interessante que a taxa sobre a transacção financeira avançasse. Há outra reclamação que fizemos na OCDE, para que haja uma receita recuperada às maiores empresas – que têm mais de 20 mil milhões de euros e 10% de lucro depois do pagamento de impostos –, o chamado Pilar 1 da solução de dois pilares para a reforma fiscal da OCDE. Agora, quem tira partido do mercado interno, quem consegue não pagar impostos, isso é uma situação de injustiça, daí a necessidade de termos novas receitas que ajudem ao combate à evasão e elisão fiscal e, em simultâneo, ajudem a uma concorrência mais leal e também a um melhor ambiente, para se diminuírem as emissões de carbono.
Falando do princípio da solidariedade entre os países da União, o que faz falta para equilibrar os interesses de Estados com dimensões, economias e necessidades muito diferentes? Há muitas diferenças entre Portugal e a Alemanha, e entre Portugal e a Bulgária…
Mas infelizmente nós estamos a ficar cada vez mais para trás, e temos um problema gravíssimo, que é a dependência do orçamento da União Europeia em termos de investimentos. Antes estávamos ao nível da Croácia, que só aderiu em 2013, mas hoje somos o país que mais depende do orçamento da União para investimentos. 90% do investimento público tem origem no orçamento da UE, o que significa que não temos feito o nosso trabalho de casa nem estamos a aproveitar os fundos para adicionar, para criar valor, para serem mais-valia. Não estamos a fazer isso,o que eu considero muito preocupante. Nós estamos cada vez mais na cauda, em termos de PIB, e os fundos têm sido essenciais mas não têm sido aproveitados como deve ser. Isso é uma responsabilidade do Governo.
A política de coesão é o FEDER [Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional], o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão. Todas as regiões têm FEDER e Fundo Social Europeu. Mas só os países mais pobres é que têm Fundo de Coesão. Quem são os países que têm este fundo? Só quem tem menos de 90% do rendimento nacional bruto por habitante em relação à média da União Europeia. A única região em Portugal que está acima dos 100% é Lisboa. Depois tem o Algarve entre os 75 e os 90%, e nós, região Norte, Centro, Alentejo e Açores e Madeira temos menos de 75% desse rendimento por habitante. São chamadas regiões menos desenvolvidas. Nós recebemos este fundo, que são cerca de 4,5 mil milhões de euros em cada quadro financeiro, não por causa de Lisboa mas por causa das outras regiões que puxam o rendimento por habitante para baixo. E onde é que normalmente vemos o Fundo de Coesão a ser usado? Em Lisboa. Usamos os fundos para os colocar numa zona mais rica, o que subverte o princípio da coesão e pode agravar as disparidades territoriais.
O que eu digo é que no interesse de todos, e também no interesse de Lisboa, nós temos que ter um Governo que torne Portugal mais competitivo, mais coeso e mais sustentável. Isto é possível com os enormes recursos que temos. Não se pode só falar da convergência porque, se em 5% do território temos 40% da população, como acontece com as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, põem-se lá todo o dinheiro, aquilo cresce, ainda vai para lá mais gente, e pronto, dizemos que temos o país a convergir. Não, não está. Não pode ser só convergência. Tem de ser este misto que acabei de falar, de competitividade, coesão territorial, económica e social, e sustentabilidade ambiental, financeira e económica.
De quem é a competência na área da saúde? É nacional. E na educação? É nacional. Na protecção civil? É nacional. Defesa? Nacional. Emprego? Nacional. Na área da juventude? É nacional. Na área social? É nacional. Há problemas, de quem é a culpa? É da União Europeia.
Ou seja, apesar de estarmos integrados na União Europeia, nós não podemos estar eternamente dependentes das decisões em Bruxelas para fazermos o nosso caminho.
Sim. De quem é a competência na área da saúde? É nacional. E na educação? É nacional. Na protecção civil? É nacional. Defesa? Nacional. Emprego? Nacional. Na área da juventude? É nacional. Na área social? É nacional. Há problemas, de quem é a culpa? É da União Europeia. Nós temos que fazer a nossa parte. Nós temos que fazer o nosso trabalho. Nós temos estrangulamentos que não são os outros que nos vão fazer. Uma decisão num tribunal administrativo demora mais de 15 anos. Não há previsibilidade fiscal, a burocracia é monumental, o licenciamento industrial demora anos… É a União Europeia que vai resolver isto? Não, temos que ser nós. Isto é um obstáculo ao investimento e ao crescimento. E porque não se cria riqueza, o Governo procura usar e desviar fundos europeus para si próprio. Mas não nos falta dinheiro.
Façamos as contas: temos mais de 7 mil milhões de euros para utilizar do Portugal 2020, há cerca de 25 mil milhões para o Portugal 2030, a isto adicionamos 4,5 mil milhões de euros do FEAD [Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas], temos o PRR com 13,9 mil milhões em subvenções…. Fazendo as contas, dá 23 milhões de euros por dia daqui até 2027. Isto tem que ser bem usado, com transparência, envolvendo os beneficiários, fazendo os regulamentos que acomodem os projectos que a realidade pede – em vez de se andar a torturar os projectos para caber nos regulamentos, ainda que não sirvam para nada –, e que o princípio da coesão territorial também seja defendido, e que se tenha uma visão de conjunto. Onde é que está a articulação com o Fundo de Desenvolvimento Rural? Não sabemos. E esse trabalho somos nós que temos que o fazer, não é a União Europeia.
Desde a invasão russa da Ucrânia tivemos pedidos de três países para serem candidatos à União Europeia, da Ucrânia, Geórgia e Moldávia, que se juntam a cinco países que são candidatos e têm negociações em curso ou a começar. É possível a União Europeia estar em constante alargamento?
O pedido de alargamento é um sinal de confiança na União Europeia. Aquilo que o senhor Putin foi isolar-se, foi mostrar que a NATO é essencial, que a União Europeia é um projecto de segurança e de paz, e levou a que Estados neutros como a Suíça esquecessem a neutralidade, que a Turquia tivesse fechado o estreito do Bósforo, que a Finlândia e a Suécia coloquem em cima da mesa a adesão à NATO e que a Ucrânia, para se proteger, face a tudo isto, à guerra injustificada e inaceitável de Putin, venha dizer que quer aderir, seguida da Geórgia e da Moldávia. Eu acho que devemos dar sinais que devemos aceitar o pedido de adesão, o que não significa que estejam em condições de aderir, que são situações diferentes. Se se lembrar da Croácia, o país pediu a adesão em 2003 e aderiu só em 2013. Se olhar para a Turquia – já não sei quando pediu a adesão…
É candidata desde 1999.
E ainda não aderiu. No entanto, algo que passa por vezes despercebido é que a Turquia tem sido apoiada por fundos europeus para transformações para poder aderir, e tem sido apoiada pelo Banco Europeu de Investimentos, com muitos empréstimos a taxas de juro altamente proveitosas. E há o Instrumento de Assistência Pré-Adesão, que pode ajudar ao reforço das instituições, da democracia e à capacitação da administração. Para se entrar na União Europeia, é preciso respeitar os valores europeus. Aceitar os valores europeus não é uma opção para entrar, como não é opção deixar de os respeitar estando já na UE. Isso é um processo longo, mas eu sou a favor de se dar este sinal de solidariedade de que poderão vir a aderir.
Mas que tipo de implicações pode haver com mais entradas? Como é que a União Europeia se mantém estável e governável?
Um país como a Ucrânia representa um desafio brutal. Tal como há países grandes que não querem perder a sua influência, e por isso não são adeptos da entrada da Turquia, esta entrada também traria consequências em termos da dimensão do Parlamento Europeu, dos representantes… A Ucrânia é um país de 44 milhões de pessoas, com uma forte componente agrícola… Isto traria, aí sim, uma mudança na arquitectura, falando apenas da Ucrânia.
Esta resposta que a União Europeia tem dado relativamente aos refugiados ucranianos, activando a directiva de protecção temporária a refugiados, significa que a UE, pode mudar a forma como lida com quem chega ou procura chegar à procura de paz?
O que se fez foi o accionamento de uma directiva que já existia, sim, e imediatamente foi reconhecido o estatuto de refugiado aos ucranianos. A nossa grande prioridade é ajuda humanitária, ajuda aos refugiados, um plano económico para todos os cidadãos europeus e, a médio e longo prazo, planos para todas as outras questões que falamos na segurança, defesa e ambiente. Mas tudo o que fizemos era nossa obrigação, e nós temos recursos financeiros para tudo isso. A mobilização da sociedade civil é, também de realçar, é um grande exemplo de solidariedade.
A questão é: porque não se fez o mesmo noutras situações?
Não tem comparação. Não se podem confundir migrantes económicos com refugiados. Tem que se ver caso a caso. Mas todos os refugiados que chegaram foram integrados.