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O Euro não tem culpa

Defendo uma Europa aberta, solidária, segura, forte, competitiva e coesa. Capaz de vencer os desafios globais e de “exportar” os valores europeus como a democracia, o estado de direito, a liberdade, a defesa e a promoção da dignidade humana. Quero uma Europa geopolítica. Tal implica uma visão e estratégia comum, uma solidariedade de facto, executadas através de ações concertadas, coordenadas e partilhadas. Temos de preservar as nossas forças e raízes. Os Estados-membros e as regiões são diferentes entre si, e por isso temos como lema “unidos na diversidade”. Devemos partilhar os sucessos e as dificuldades e para isso há que avançar para a concretização de um outro lema: “unidos na adversidade”. Só assim venceremos os desafios da globalização, escassez de recursos naturais, segurança e abastecimento energético, demografia, e defenderemos o nosso Estado social e os valores europeus. A Europa geopolítica e a soberania europeia reforçam a soberania nacional. O “orgulhosamente sós” e o nacionalismo significam pobreza e redução da força e soberania nacional.

A moeda única -o Euro-, também resulta deste querer, desta vontade e visão. Essa é uma das razões para a extrema esquerda e a extrema direita não gostarem do euro e se “unirem” para defenderem o seu fim. No Parlamento Europeu, o Partido Comunista Português apresenta de forma recorrente propostas para a criação de um fundo financiado pelo orçamento europeu, com o objetivo de financiar os custos da saída do euro!

A ambição de se avançar para uma União Económica e Monetária (UEM) remonta, pelo menos, a 1960. Tal implica uma moeda comum, uma política monetária comum e a coordenação das políticas económicas e orçamentais. O processo foi longo e ainda está inacabado. Em dezembro de 1991 o Conselho Europeu aprovou o Tratado de Maastricht, que entrou em vigor em 01 de novembro de 1993, passando a permitir as disposições necessárias para se avançar para a UEM. A 01 de Junho de 1998, o Banco Central Europeu entrou em funcionamento.

O Euro foi lançado a 01 de janeiro de 1991, mas só foi sentido pelos cidadãos no dia 01 de janeiro de 2002, quando as moedas e as notas entraram em circulação em 12 Estados-membros. Portugal esteve no “pelotão” da frente ao aderir à Zona Euro a 1 de janeiro de 1999.

O Euro tem sido um sucesso, como o demonstra a sua resistência e resiliência. Hoje, 19 dos 27 Estados-membros fazem parte da Zona Euro. As vantagens da moeda única são reconhecidas, permitindo uma maior estabilidade dos preços, baixa inflação e taxas de juro, estabilidade económica. A comparação entre os preços fica obviamente facilitada, os mercados financeiros ficam mais integrados e há mais segurança nas trocas comerciais. Para além disso, a UE passou a ter uma maior influência à escala global, reforçando a sua força geopolítica.

No entanto, o Euro tem sido “vítima” de uma UEM que está longe de estar concluída. Infelizmente, a UE só avança na integração com base no medo e, por isso, só decide na última da hora depois de avultados estragos e prejuízos. Foi o medo de novas guerras que permitiu o nascimento da UE, tal como foi o medo do contágio que levou à criação do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, que depois deu lugar ao Mecanismo Europeu de Estabilidade. Também foi a pandemia que ainda estamos a viver quem obrigou à criação do denominado NextGenerationEU de uma forma até então impensável: a União Europeia endividou-se, com base numa garantia do orçamento da UE, para recuperar e vencer as dificuldades agravadas pela pandemia, através de investimentos e reformas.  A dívida de 750 mil milhões de euros terá 360 mil milhões de euros correspondentes a empréstimos que serão entregues aos Estados-membros, que assumem o respetivo pagamento da dívida. Os restantes 390 mil milhões de euros de subvenções que dão origem aos planos nacionais de recuperação serão pagos pelo orçamento da UE – até 2058 – que introduz a necessidade de novos recursos próprios. Não são “Eurobonds”, mas são “Recovery bonds”, uma novidade histórica fruto da pandemia covid-19.

A UE tem de permitir competitividade, prosperidade e coesão social, económica e territorial. Temos de ter mecanismos europeus que permitam absorver os choques simétricos e assimétricos a que as economias nacionais estão sujeitas. A criação de um Fundo Monetário Europeu e de uma capacidade orçamental para a Zona Euro são, por exemplo, propostas que defendo. Acresce a necessidade de um reforço da legitimidade política através um maior envolvimento do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais no acompanhamento e “execução” dos elementos da UEM.

A solidariedade só existirá se for acompanhada da responsabilidade. Terão de existir regras a ser cumpridas por todos, pois é dessa forma que se gera a imprescindível confiança entre instituições e Estados-membros. Neste sentido, urge a revisão do pacto de estabilidade e crescimento.

Só desta forma a UE poderá vencer os desafios, tornar-se líder global, e o Euro poderá ser sinónimo de sucesso e deixar de ser culpado.