Publicado no Jornal Expresso de 12/09/2020
A concretização dos tão desejados e urgentes €750 mil milhões do Fundo de Recuperação da UE ainda tem um caminho longo e complexo a percorrer. Há um calvário de aprovações e ratificações pela frente. A Comissão Europeia só poderá ir aos mercados depois de uma nova decisão sobre os recursos próprios do orçamento da UE. Para tal, o Parlamento Europeu emite a sua “opinião”, seguindo-se uma “dupla unanimidade”: no Conselho e nos Parlamentos nacionais.Normalmente demora entre um ano e meio a dois! Basta um Parlamento nacional não ratificar a decisão para não existir o Fundo de Recuperação. Os efeitos seriam devastadores do ponto de vista económico e político. A confiança e a credibilidade dos Governos e das instituições europeias seriam fortemente atingidas.
Na próxima semana o Parlamento Europeu votará a decisão dos recursos próprios, da qual sou relator, o que dará luz verde para o Conselho decidir de imediato. Trabalhámos com celeridade durante o verão, porque queremos o Fundo de Recuperação disponível a 1 de janeiro de 2021. Seria uma irresponsabilidade o Conselho atrasar o processo. Acresce que há o risco de um Estado-membro, tal como a Hungria, aproveitar a necessária “dupla unanimidade” e chantagear a UE até que a questão da Rule of Law seja aprovada nos termos que pretende.
O Fundo de Recuperação assenta numa garantia comum do orçamento. É constituído por €360 mil milhões em empréstimos e por €390 mil milhões em subvenções, ou seja, subsídios a “fundo perdido”. Cada Estado-membro paga os juros e as amortizações do empréstimo que recebe, mas os juros e as amortizações das subvenções serão pagos pelo orçamento da UE. É histórico e traduz uma solidariedade de facto.
Até 2027 apenas se pagam os juros, calculados em €12,9 mil milhões. A partir de 2027 e até 2058 acrescem as amortizações. Daqui resulta um problema óbvio: se não conseguirmos novas fontes de financiamento para o orçamento da UE, os Estados-membros terão de aumentar as contribuições nacionais e sobrecarregar os contribuintes com mais impostos; ou, em alternativa, a UE terá de cortar nos próximos fundos e programas europeus. Por isso o Parlamento Europeu propõe novos recursos próprios, que sejam, pelo menos, suficientes para pagar os juros e as amortizações. Estas novas fontes de financiamento não podem trazer mais impostos para os cidadãos e devem estar de acordo com as políticas europeias: reforço da competitividade, melhor ambiente e combate à fraude, evasão e elisão fiscal. Quem não paga, deve pagar. Por exemplo, propomos que os gigantes do digital paguem uma taxa e que os produtos provenientes de países que não têm os mesmos parâmetros ambientais da UE sejam tributados.
O impacto da atual crise pandémica é um novo desafio sem precedentes para a UE, nomeadamente para as suas instituições e Estados-membros. Impõe-se uma resposta forte, célere e solidária, que respeite o legado e os valores europeus e que vá ao encontro das expectativas dos cidadãos.