A Ucrânia vive desde 2013 numa situação de guerra com um vizinho poderoso e que não olha a meios, na pior tradição soviética, para atingir os seus fins políticos e económicos.
O ataque russo à Ucrânia, que é simultaneamente um ataque a toda a Europa pelo que ele significa, visa expandir os limites territoriais da Rússia para lá dos actuais, fazendo tábua rasa de todos os tratados internacionais a que o governo de Putin jurara respeito e constituindo uma clara ameaça a todos os Estados que, depois de 1989, se libertaram da tutela da União Soviética e procuraram outros espaços de relacionamento político e desenvolvimento económico.
Nesta guerra desencadeada pela Rússia contra a Ucrânia, que teve o seu primeiro episódio na anexação da Crimeia, a oligarquia dirigida por Putin usa uma vasta gama de meios que vão dos militares (a que chama voluntários…) em larga escala à habitual propaganda sobre o governo de Kiev, a quem apoda de fascistas, nazis, totalitários e outros adjectivos que, em boa verdade, seriam bem melhor aplicados ao agressor do que ao agredido.
E essa guerra da propaganda, tal como no passado soviético, utiliza também aqueles que no seio da União Europeia se prestam a servir como caixas de ressonância de Moscovo, seja por razões de afinidade ideológica, seja por estratégias conjunturais que levam a que a guerra de agressão contra a Ucrânia sirva os objectivos internos daqueles que em cada país querem combater a própria União Europeia.
Por isso, não admira que do Syriza grego à Frente Nacional em França, passando por aqueles que em Portugal se recusam a deixar o tempo anterior à queda do muro de Berlim, se conheçam posições de pública simpatia pelo governo russo e de crítica a uma União Europeia que, em boa verdade, não tem sido tão determinada a impor sanções à Rússia como seria expectável.
A verdade é que há países na União Europeia tremendamente dependentes da energia importada da Rússia: vão dos 100% de dependência dos países Bálticos aos 40% da própria Alemanha, passando por países como Polónia (66% de dependência), Hungria, Finlândia e Bulgária quase totalmente dependentes dos russos em matéria energética.
É certo que a União Europeia tem sido fortemente solidária com a Ucrânia em termos de ajuda económica, procurando ajudar o país a enfrentar o agressor e, simultaneamente, contribuindo para que o seu desenvolvimento e modernização sejam afectados o menos possível pelo contexto militar.
A título de exemplo, bastará constatar que já este mês o Parlamento Europeu irá votar uma proposta da Comissão no sentido de conceder à Ucrânia uma assistência macrofinanceira adicional no valor de 1,8 mil milhões de euros, sobre a forma de empréstimos a médio prazo, para ajudar o país a cobrir parte das suas necessidades de financiamento externo e a promover o desenvolvimento económico e a estabilidade no país, com óbvios reflexos nos países vizinhos.
Mas dificilmente a União Europeia irá para lá deste tipo de ajuda e de um eventual reforço das sanções económicas a Moscovo.
Porque, apesar das declarações de Jean-Claude Juncker sobre a formação de um exército europeu, até como forma de mostrar à Rússia a determinação da União Europeia em defender os seus valores, é impensável um generalizar da guerra a outras nações europeias “apenas” 70 anos depois do fim de um conflito que deixou a Europa devastada dos Pirenéus aos Urais e cujas sequelas ainda hoje se fazem sentir em vários pontos da Europa.
É evidente que se, como alguns temem, a Rússia for bem sucedida na Ucrânia (e para já está a ser) poderá reforçar o seu “apetite” de fazer regressar ao seu espaço de influência outros Estados que depois de 1989 seguiram rumos diferentes e se encontram hoje integrados no espaço da União Europeia, como é o caso, à cabeça, dos sempre martirizados Estados Bálticos, da Polónia, da Hungria ou da Roménia.
Creio, todavia, que dificilmente a Rússia irá por esse caminho.
Uma ingerência militar em países da União Europeia, a exemplo do que está a fazer na Ucrânia, significaria um ataque directo a toda a UE (e a que os Estados Unidos não seriam alheios) e não me parece, assim o espero, que a Rússia ouse chegar tão longe.
Continuará pelo caminho das pressões económicas, do financiamento das forças políticas que nesses países limítrofes combatem a UE, esperando que o tempo e o desgaste provocado por uma crise económica que afecta o espaço europeu acabem por fazer o “seu” trabalho de enfraquecimento e desagregação do projecto europeu.
A Ucrânia é um grande país. O maior dos situados totalmente em território europeu e o segundo maior da Europa a seguir à Rússia. São 603,628 km2 de área para uma população de quase 45 milhões de habitantes. Possui quase um terço dos territórios agrícolas da Europa.
Estive, na semana passada, dois dias na Ucrânia e pude sentir a hospitalidade do seu povo, as suas preocupações, mas também a vontade e determinação de lutarem por uma Ucrânia livre e democrática.
Na praça Maidan, em Kiev, pude ver as flores, as velas, as fotos que recordam os milhares de jovens ucranianos que perderam a vida em Novembro e Dezembro de 2013 ao manifestarem-se contra uma decisão do então governo ucraniano de não assinar protocolos de cooperação com a União Europeia.
Por isso, e também porque a liberdade, a democracia, a protecção da dignidade humana e dos direitos humanos são objectivos contínuos e que nunca poderemos dar como adquiridos, a União Europeia tem o dever de continuar a apoiar o povo ucraniano nesta luta contra a agressão russa.
Porque é uma luta de todos nós.