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“Sem os fundos, comunitários situação económica era pior”

TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA:

O deputado ao Parlamento Europeu José Manuel Fernandes acredita que o acordo sobre o orçamento comunitário plurianual para o período 2014-2020, alcançado no passado mês de fevereiro, no Conselho Europeu, em Bruxelas “foi o possível”, e lembrou que os benefícios para Portugal superam mesmo os da proposta inicial da Comissão Europeia.

Em entrevista à “Vida Económica”, no rescaldo do Congresso da Região de Aveiro 2013, onde falou dos Fundos Comunitários 2014-2020, o eurodeputado lembra que “sem os fundos que tivemos nos últimos 20 anos à nossa disposição a nossa qualidade de vida era seguramente menor”. Ainda assim, José Manuel Fernandes salientou que não devemos novamente cair em excessos, como é o caso das “construções no âmbito das parcerias público- -privadas onde o critério da sustentabilidade económica foi muitas vezes esquecido”.

Vida Económica – Portugal vai receber cerca de 27,8 mil milhões de euros em fundos comunitários no período 2014-2020, um corte ainda assim inferior à média dos outros países. Que avaliação faz do resultado da última cimeira europeia? Este foi, ainda assim, um bom resultado para o nosso país?
José Manuel Fernandes –Face à necessidade de unanimidade, este foi o acordo possível. A proposta do Conselho tem pontos positivos, nomeadamente o aumento real das verbas destinadas à investigação (Horizonte 2020) e aos programas da juventude, o IVA elegível, desde que não seja recuperável, e o programa de 2500 milhões de euros para as pessoas mais carenciadas. Adicionalmente, o orçamento conta ainda com vários pontos positivos para o nosso país (ver caixa).

VE – Perante o atual contexto de forte restrições orçamentais públicas, qual a importância dos fundos comunitários na dinamização da economia nacional?
JMF Estes fundos devem possibilitar a concretização de projetos que cumpram as prioridades da estratégia União Europeia (UE) 2020, ou seja, devem contribuir para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo.

Em muitos estados-membros estes fundos representam mais do que 50% do investimento público. No entanto, não devemos olhar só para estes 27,8 mil milhões de euros. Temos de estar atentos, organizados, e temos de ser “agressivos”, nos programas geridos centralmente pela Comissão Europeia.
Note-se que os programas destinados à juventude são mais de 16 mil milhões de euros. Para além disso, não podemos aceitar que, por exemplo, na investigação Portugal seja um contribuinte líquido, tal como acontece neste momento, ou seja, colocamos mais dinheiro no programa destinado à investigação do que o que vamos buscar.

Combate ao desemprego jovem “deve ser a grande prioridade”

VE – O ministro da Economia Álvaro Santos Pereira afirmou que a prioridade do Governo para o próximo quadro comunitário serão as empresas e o emprego. Concorda com as prioridades já anunciadas?
JMFO desemprego, e nomeadamente, o desemprego jovem, deve ser a grande prioridade. Nesse sentido, estou de acordo com a prioridade anunciada pelo ministro. Aliás, seria bom não esquecer os objetivos a que nos comprometemos atingir em 2020: aumentar para 75% a taxa de emprego na faixa etária dos 20-64 anos, o investimento de 2,7% a 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) da UE em Inovação & Desenvolvimento (I&D), a redução em 1% das emissões de gases com efeito de estufa e a obtenção de 31 % da energia a partir de fontes renováveis. Estes objetivos estão relacionados e devem ser prioritários e a aposta na qualificação é obviamente uma forma de combatermos o desemprego.

VE – Tendo em conta que a melhoria da competitividade passa pela modernização da base empresarial e industrial do país, sobretudo através da inovação, que tipo de iniciativas devem ser incentivadas?
JMF Face à globalização, só com recursos humanos altamente qualificados e com investigação e inovação é que podemos ser competitivos e em simultâneo defendermos o nosso modelo social. Mas não há desenvolvimento económico sem desenvolvimento social.

Devemos apostar na agricultura, assim como devemos continuar a procurar aumentar as exportações. Mas há importações que podemos reduzir nomeadamente no sector agrícola. Adicionalmente, o mar, nas suas várias vertentes, deve ser uma prioridade, já que é um recurso precioso falado, mas na prática esquecido. Por outro lado, as pequenas e médias empresas (PME) devem ser uma prioridade de facto e o empreendedorismo deveria constar dos programas das escolas e desde o primeiro ciclo.

FEDER deverá ser o único a ser concedido numa lógica de crédito

VE – O Governo quer também que os próximos pacotes de apoio sejam essencialmente virados para as empresas e concedidos numa lógica de crédito, reduzindo ao máximo os subsídios a “fundo perdido”. Esta opção é a mais correta?
JMFO PE está neste momento a trabalhar nos regulamentos dos vários fundos. Porém, o único fundo que me parece que possa ser concedido numa lógica de crédito é o FEDER. Parece-me positivo que uma pequena percentagem deste fundo tenha esse objetivo. Tal permitiria assegurar a sustentabilidade económica do projeto. Um dos critérios para a aprovação dos projetos será a sua sustentabilidade económica e ambiental. Recordo, aliás, que 20% das verbas do QFP devem estar relacionadas com os objetivos em matéria de luta contra as alterações climáticas. É muito importante que os fundos criem a necessária coesão económica e territorial, pois o Norte é neste momento a região mais pobre de Portugal, a 37ª região mais pobre (62,8%) entre as 271 regiões da UE, ficando a quase 50 pontos de Lisboa (110,7%).

VE – Até que ponto os recursos comunitários contribuíram para atual crise, na medida em que não se traduziram por um maior potencial de crescimento da economia e promoveram o endividamento
JMFSem os fundos que tivemos e que temos à nossa disposição a nossa qualidade de vida era, seguramente, menor. A água que bebemos, as estradas por onde passamos, as escolas e hospitais é devida em grande parte a estes fundos. A descida das taxas de abandono escolar, a melhoria das nossas competências está relacionada com a utilização destes fundos.

A utilização foi positiva todavia tal não significa que não se tivessem cometido exageros, como provam as construções da Parque Escolar. Foram renovadas escolas por 15 milhões de euros para as quais bastavam cinco milhões e agora não há dinheiro para pagar a fatura da electricidade. Mais uma vez o critério da sustentabilidade.
O tipo de formação muitas vezes foi mais no interesse das empresas formadoras do que no interesse e nas necessidades do mercado.
Para além disso, há equipamentos públicos, nomeadamente escolas, hospitais, centros de saúde, que foram remodelados com fundos comunitários para depois serem fechados.
Tal como não tenho dúvidas que nem sempre utilizámos bem os fundos comunitários, tenho a certeza que sem eles a nossa qualidade de vida e a nossa situação económica era pior.
In: Vida Económica por Fernanda Silva Teixeira