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José Manuel Fernandes: “O que mais custa é sentir que não dei tempo aos meus filhos”

Entrevistas

2023-01-02 às 06h00

Fábio Moreira

José Manuel Fernandes nasceu a 26 de Julho de 1967, em Vila Verde. É licenciado em engenharia de sistemas informáticos pela Universidade do Minho e deputado no Parlamento Europeu desde 2009. Para além disso, José Manuel Fernandes é também coordenador do Partido Popular Europeu e é chefe da delegação do Partido Social-Democrata no Parlamento Europeu. José Manuel Fernandes também acumula funções de negociador permanente dos recursos próprios da União Europeia, sendo também presidente da delegação paraas relações da União Europeia com a República Federal do Brasil.

Citação

P – Numa óptica mais intimista daquilo que costuma ser o habitual deste programa , como é que o José Manuel Fernandes se sente nesta altura do ano, nesta quadra natalícia?
R – Sinto-me sempre melhor nesta época do ano. No Natal recordamos sempre aqueles que nos deixaram. O Natal é também saudade e recordação. É uma época mágica, emotiva, especial e de partilha. Sentimo-nos sempre melhor nesta altura do ano.

 

P -Como têm sido estes 13 anos no Parlamento Europeu? Que hábitos é que tem para compensar as largas horas de trabalho ao serviço da democracia europeia?
R – Tenho vivido todos estes anos com muita intensidade. Tenho determinados hábitos e rotinas, como dedicar os domingos e as férias à família. Tudo é vivido com um máximo de intensidade para compensar os momentos em que não tenho possibilidade de estar presente.

P – Qual é, para si, a maior mágoa que guarda de tantos anos de dedicação ao Parlamento Europeu?
R – O que mais custa é sentir que não dei o tempo que devia ter dado aos meus filhos. Não os vi crescer e não tive possibilidade de estar presente em todos os momentos. Sinto que não tive essa oportunidade, como outros a tiveram. Não tive esse privilégio de estar constantemente presente no crescimento dos meus filhos. Daí tentar compensar essa minha ausência nos domingos e nas férias.

P – Recorda-se bem do seu primeiro dia no Parlamento Europeu?
R – Recordo-me perfeitamente do meu primeiro dia no Parlamento Europeu. Foi um dia marcado por questões que fui colocando a mim próprio sobre como seria o meu papel como deputado europeu. Um deputado pode fazer propostas e intervir em assuntos, mas não sabe se eles serão levados a cabo. Por outro lado, para mim é um privilégio poder participar em projectos que podem contribuir para a melhoria da vida de um vasto número de pessoas. Dá-me muito gozo saber que tive um papel importante para o debate de alguns temas no maior palco da democracia europeia.

P – Qual foi a maior dificuldade com que se deparou no Parlamento Europeu? E a maior facilidade?
R – A minha maior dificuldade era o inglês. Ainda hoje não me atrevo a fazer uma intervenção improvisada em inglês. Eu sempre me senti mais à vontade com a língua francesa e é através do francês que faço grande parte das minhas intervenções e das negociações. Porém, temos um excelente ambiente de trabalho, onde nos tratamos todos de igual para igual. Em Portugal, nunca conseguiria ter saído de presidente da Câmara Municipal de Vila Verde para liderar um grupo onde tinha ex-presidentes, ex-ministros e ex-comissários. Temos excelentes equipas que nos apoiam no dia-a-dia. A dificuldade foi o inglês, mas tudo o resto foram facilidades.

 

P – Noutras edições deste programa da ‘Europa Para o Minho’, já nos mostrou a sua fibra e emoção no debate de certas temáticas. Isso é o que transparece também para as reuniões e negociações no Parlamento Europeu?
R – As emoções saltam muitas vezes à vista. A negociação é o que me dá mais prazer no Parlamento Europeu, mas também traz exigências. Tenho de saber sempre mais que a outra parte das negociações. São sempre casos difíceis. Uma coisa que aprendi no Parlamento Europeu foi a ter paciência. A reunião mais longa que tive na minha vida foi de 22 horas, onde não tivemos grandes interrupções e sempre com grande adrenalina. São reuniões onde estamos a construir um regulamento, a trabalhar numa directiva, a fazer um orçamento, a construir um fundo… Essas reuniões são sempre reuniões de muita atenção, mas sempre com muitas histórias pelo meio.

Que palavra utilizaria para caracterizar cada uma destas personalidades políticas?

Roberta Metsola presidente do Parlamento Europeu | jovem e competente;
Ursula von der Leyen presidente da Comissão Europeia | muito trabalhadora;
Volodymyr Zelensky presidente da Ucrânia | líder e excelente comunicador;
Emmanuel Macron presidente da França | inteligente e vaidoso;
António Guterres secretário-geral das Nações Unidas | o homem do diálogo;
António Costa primeiro-ministro de Portugal | um homem hábil;
Luís Montenegro presidente do PSD | um homem preparado, o próximo primeiro-ministro.

“Há colegas que sei sempre como vão votar no OE”

P – Qual foi a reunião ou negociação mais tensa que teve até hoje? Foi essa de 22 horas que mencionou ou foi outra com menos horas de duração?
R – É difícil dizer qual foi a negociação mais complicada que tive até hoje. Nós já tivemos negociações muito tensas, onde quem estava do lado da Comissão chegou a chorar várias vezes durante a noite porque não se conseguia chegar a acordo. Estou a falar do orçamento da União Europeia. Mas, a negociação mais difícil, e que até era considerada impossível, foi essa reunião de 22 horas para o Fundo Europeu de Investimento Estratégico, conhecido como ‘Plano Junker’. Um plano que, de 2015 a 2020, mobilizou mais de 500 mil milhões na União Europeia. Olhar para esse regulamento e ver que tem ali contribuições minhas, é algo muito prazeroso. Essa foi a negociação mais difícil, mas acabou por ser também a mais prazerosa.

 

P – De todas as negociações no Parlamento Europeu, há algum momento mais caricato ou peculiar que recorde e que possa partilhar?
R – Há episódios que não posso contar ainda. Há outros que posso. Nessa reunião de 22 horas, havia um artigo que era da responsabilidade exclusiva da Comissão de Transportes. O Conselho estava a enganar a minha colega nas negociações. Eu pedi para intervir e virei-me para o representante do Conselho e disse-lhe que não era bonito enganar a colega, pois estava a reforçar a ideia que estava a fortalecer o plano em 500 mil milhões, quando na verdade não era assim. A sala riu-se muito. Outra história mais hilariante foi comigo. Na altura queríamos reforçar dois programas, mas o Conselho não aceitava. Na hora de almoço, eu agarrei na garrafa de vinho e disse aos meus colegas: “o vinho representa o dinheiro. Onde queres que o deite? No meu copo, que está quase vazio ou no da minha colega, que está quase cheio?” Com esta pequena comparação, acabamos por conseguir chegar a acordo para reforçar os dois programas para os quais estávamos a tentar garantir apoios. Por vezes, estes exemplos acabam por ser vantajosos e acabam por contribuir para que estas negociações cheguem a bom porto.

P – Este ano substituiu Paulo Rangel à frente da delegação do Partido Social-Democrata no Parlamento Europeu. Em que consiste este cargo?
R – Com este cargo, sou uma espécie de líder de bancada. Sou responsável por definir a estratégia que devemos seguir. O líder de cada delegação também faz parte das reuniões dos restantes líderes das delegações e da presidente do grupo parlamentar. Portanto, no fundo, represento o Partido Social-Democrata no Parlamento Europeu. É uma espécie de líder de bancada, em termos de comparação com o parlamento do nosso país.

P – Temos 21 deputados de quatro partidos portugueses no Parlamento Europeu. Vocês defendem os interesses do nosso país ou defendem as ideias políticas de cada uma das vossas famílias partidárias?
R – Defendemos todos o nosso país, ainda que alguns achem que defender o nosso país passe pela saída da União Europeia. Obviamente que não estamos de acordo em alguns assuntos e a saída da União Europeia e do Euro é um desses assuntos. Há colegas meus que eu sei sempre como vão votar no orçamento da União Europeia, vão votar contra. Isso não significa que eles não considerem que não estão a defender o interesse nacional. Noutras questões, onde está em causa o interesse nacional, há uma convergência de ideias. Defender o interesse nacional é também defender o interesse europeu, porque o que é bom para Portugal também é bom para União Europeia. A defesa do nosso território é sempre essencial, ainda que nem todos tenhamos a mesma visão do que é o interesse nacional.

P – Há rivalidades políticas entre os deputados portugueses no Parlamento Europeu?
R – Eu não vou dizer que há rivalidades. Às vezes, há um ou outro que devia trabalhar mais ou empenhar-se mais e depois tem ciúmes dos que trabalham. Mas isso não é a norma. Nós temos um excelente grupo de eurodeputados no Parlamento Europeu, de todos os quadrantes políticos. Nem sempre conseguimos que os portugueses se apercebam do trabalho que nós temos vindo a realizar. Muitas vezes há a ideia de que o Parlamento Europeu está muito longe e não há uma percepção positiva do trabalho que o Parlamento Europeu realiza em prol da qua- lidade de vida e do desenvolvimento dos portugueses. Por exemplo, e sem muita modéstia, o trabalho que eu tenho vindo a realizar no Parlamento Europeu tem vindo a arrastar muitos milhões de euros para o nosso país, mas considero que essa é a minha obrigação enquanto eurodeputado ao serviço de Portugal.

P – Acredita que têm razão aqueles que dizem que nestes quatro anos pouco se acrescentou em termos materiais à Cultura?
R – Claro que acabo também por ficar frustrado por ver a tempestade de milhões que nós temos a não ser bem utilizada e tantas vezes o tenho referido. Outra frustração que tenho é ver o nosso país ser ultrapassado por outros. Porém, eu considero que o trabalho que fazemos no Par- lamento Europeu é essencial para Portugal e, prova disso, é que 90 por cento do investimento público em Portugal tem origem na União Europeia.

P – Há muitos mitos que se criam em volta destas instituições políticas, como é o caso da União Europeia. É verdade, por exemplo, que a União Europeia proibiu o brinde e a fava no bolo rei?
R – Não, isso não é verdade. Isso até resulta de um decreto-lei nacional, não é nenhuma imposição europeia. Aqui há outra coisa que muitas vezes se faz: a Europa e a União Europeia têm as costas largas e os governantes relembram-nos disso muitas vezes. O que de bom foi feito, foi feito pelos governantes. O que de mal foi feito, foi ideia da União Europeia. Quantas vezes se vê isto, até no financiamento de programas, em que vemos governantes a dizer que não se pode fazer tal porque a União Europeia não deixa. Nesse caso específico, a União Europeia não proibiu nada disso, ainda que se preocupe com a segurança alimentar. Mesmo esse decreto-lei que surgiu em Portugal tem como objectivo a segurança alimentar, pois permite que o brinde exista, mas que não cause perfurações, protegendo a vida das pessoas. Há muitos mitos na União Europeia e que há muitas proibições.

P – Foi presidente da Câmara Municipal de Vila Verde. Sabemos que muitas das intervenções que os Municípios realizam só são possíveis devido aos fundos europeus. Porém, os autarcas nunca relembram isso nos seus discursos. Porque será isso?
R – É algo natural. Eu também estive como presidente de Câmara e também realizei muitas obras, muitas delas só possíveis devido aos fundos europeus e depois era eu que tirava os dividendos desses fundos e, nas inaugurações, também não dizia se a obra tinha fundos europeus ou não. Nunca disse algo do género: “nesta obra, em cada 100 euros, 42 são da Alemanha e da França”. Mas há aqui um ponto que eu gostaria de sublinhar: a importância dos nossos autarcas. Eu continuo a ser municipalista. Os nossos autarcas continuam a não ser reconhecidos, mas se não fossem as nossas autarquias, não teríamos o desenvolvimento que temos. Um euro investido por um autarquia corresponde a vários euros, para fazer a mesma coisa, com o orçamento de estado nacional. Os autarcas são os mais fiscalizados e os mais perseguidos e nem sempre vêem reconhecido o seu serviço, o seu trabalho e a sua qualidade. Na pandemia, foram os autarcas que estiveram na linha da frente ao estarem ao lado das pessoas. Foram eles que estiveram presentes em todas as dificuldades sociais, muitos sem ainda terem acesso às ajudas governamentais nacionais. São eles os grandes responsáveis pelo desenvolvimento que nós temos.

P – Ainda bem estamos na União Europeia…
R – Se não estivéssemos na União Europeia, seria um desastre. Às vezes, também fico com a sensação que ficamos sempre à espera que a União Europeia nos ajude e não fazemos aquilo que nos compete. Eu queria que deixássemos de ser pedintes na União Europeia. Tínhamos a obrigação de já estar muito à frente naquilo que são os salários, a produção de riqueza e os índices de qualidade de vida. Já devíamos estar num outro patamar.

P – Toda a gente conhece o político José Manuel Fernandes, mas pouca gente conhece o José Manuel Fernandes, enquanto pessoa. Como é que o José Manuel Fernandes se define?
R – Eu, quando tenho de tomar uma decisão, tento sempre colocar-me no lugar do outro. Isto, às vezes, até nos faz mal, porque acabamos por sofrer com as nossas próprias decisões. Já tive que avançar para expropriações, enquanto presidente da Câmara Municipal de Vila Verde e isso foi sempre algo que me custou fazer, porque me colocava no lugar da pessoa. Sou uma pessoa muito exigente comigo mesmo, pois acho que devia fazer melhor em muitas situações. Esqueço-me depressa das maldades que me fazem. Isso é algo que transporto para a minha vida política. Não sou uma pessoa que guarde ódios e sou uma pessoa muito emotiva.

P – E o que gosta de fazer?
R – Eu adorava jogar futebol. Agora, adoro ir para o mar. Gosto muito de fazer caça submarina.

P – E aí há aventuras e perigos?
R – Sim. Uma vez atei o gancho ao braço e quando desci, queria tirar o gancho e não conseguia. Puxei o gancho com muita força e acabei por conseguir soltar o braço. Tenho um outro momento, mas esse fica guardado para outra altura.

P – Fazer pesca submarina é um mundo completamente diferente. Como se sente quando faz isso?
R – É no mar, na caça submarina, que me sinto mais livre. Sobretudo, quando vou sozinho, algo que não é aconselhável. Sinto-me completamente livre, sinto-me perto de Deus. É uma sensação única e inexplicável para mim. Sentir a imensidão da natureza, onde nada te perturba, é algo incrível para mim.

P – Também tem uma paixão pela música, mais propriamente, pela concertina. Ainda vai conseguindo tocar?
R – Toquei muitos instrumentos. Toquei órgão, cavaquinho, comecei com o saxofone mas parei e sou um aprendiz na concertina. Tenho uma concertina em Bruxelas. No fim daquela negociação das 22 horas, quando fomos comemorar, levei a concertina para um restaurante e estivemos todos a cantar um pouco. Eu achava que nunca ia conseguir tocar concertina. Fui com o meu pai a aulas de concertina e acabei por aprender.

P – Como vive o Natal? É diferente agora ou é igual aos tempos de criança?
R – Vivo de uma forma diferente, com a idade é diferente. Mas para mim, o Natal continua a ser uma época mágica, apesar da idade. É sempre um momento especial. Vivo o Natal sempre com alguma saudade, devido aos que já partiram, em especial a minha mãe.

P – Nesta época festiva, há sempre tradições associadas. Há alguma tradição na sua família que gostasse de partilhar connosco?
R – A tradição que nós temos é, nos anos pares, a consoada é na casa do meu pai com o meu irmão e depois juntamo-nos todos mais à noite. Por sua vez, nos anos ímpares, é na casa do meu sogro e da minha sogra e depois vou até à minha terra. Depois temos as tradições normais de troca de prendas. Mas a tradição principal é essa troca de casa nos anos pares e ímpares.

P – Como foi para si o ano de 2022?
R – A nível profissional, têm sido anos positivos. Estou satisfeito com o meu percurso até ao momento. Sinto alguma frustração, porque sinto que Portugal não aproveita da melhor forma as oportunidades que tem.