O Governo já quantificou em €50 mil milhões o “envelope financeiro sem precedentes” de subsídios europeus de que o país disporá na próxima década para recuperar da crise pandémica, tornando-o mais forte, verde e digital. Mas o eurodeputado social-democrata José Manuel Fernandes alerta para que Portugal ainda pode aumentar o valor dos apoios europeus em mais de 60%, para a casa dos €80 mil milhões.
Como? Basta ao Governo português “emendar rapidamente a sua estratégia” para tirar partido do novo multiplicador de fundos europeus chamado InvestEU. José Manuel Fernandes foi o relator da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que criou o programa InvestEU, sucessor do plano Juncker. Nesta semana, em que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi posto em consulta pública para ser enviado a Bruxelas, ele vem pedir ao Governo para não desperdiçar a sinergia com este outro instrumento europeu, que visa reduzir o risco dos investimentos financiados pelo Banco Europeu de Investimento (BEI), em parceria com os bancos de fomento nacionais.
“Em causa estão mais de €30 mil milhões de empréstimos a baixo custo — e com prazos de reembolso que podem chegar aos 30 anos — para financiar os investimentos públicos e privados de que o país precisa, seja em infraestruturas sustentáveis, investigação, inovação, digitalização, competências e outros investimentos empresariais e sociais. Também é possível apoiar a solvabilidade das empresas neste período difícil, incluindo no turismo”, explica o eurodeputado.
O segredo está em aplicar os fundos no “compartimento nacional” que o InvestEU reservou para cada Estado-membro multiplicar voluntariamente uma percentagem do seu envelope de fundos europeus em instrumentos financeiros. “E tudo isto sem recurso a verbas nacionais e livre do espartilho das regras dos auxílios de Estado que impedem as empresas de ser apoiadas acima de determinado valor.”
Milagre das rosas
Tendo em conta que o efeito multiplicativo do InvestEU pode chegar aos 14,3, José Manuel Fernandes fez as contas aos dois envelopes que Portugal receberá em fundos de recuperação e em fundos de coesão. “Nas negociações do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, demos a possibilidade aos Estados-membros de colocarem 4% do envelope no InvestEU. Para Portugal, isto significa multiplicar cerca de €1,1 mil milhões em €16 mil milhões.
Mas o Governo deve incluir essa possibilidade no PRR a submeter a Bruxelas”, diz. “Portugal também pode colocar um máximo de 5% dos fundos de coesão no InvestEU. Em causa pode estar a multiplicação de €1,2 mil milhões em €17 mil milhões. Mas tal deve constar do acordo de parceria Portugal 2030, a negociar com a Comissão Europeia”, insiste o eurodeputado.
Tudo somado, com pouco mais de €2 mil milhões destes dois envelopes de fundos europeus Portugal pode mobilizar acima de €30 mil milhões para financiar outros investimentos públicos e privados através do InvestEU. “É mais do que o atual quadro comunitário Portugal 2020 ou o futuro Portugal 2030”, compara José Manuel Fernandes. Esta semana é decisiva, porque o país está prestes a submeter o PRR a Bruxelas. “É agora que Portugal define o que é que quer até 2029, e há decisões que não poderão ser alteradas depois. Por isso apelo a que o Governo tenha a inteligência de fazer esta aposta e o Banco Português de Fomento o músculo e a competência para financiar os projetos que ficarem de fora do PRR e do PT2030.”
O que diz o PRR?
No plano nacional de recuperação atualmente em consulta pública, o Governo reservou €1250 milhões para apostar no Banco Português de Fomento e capitalizar as empresas. Com recurso à vertente de empréstimos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o Governo pretende realizar um aumento do capital do Banco Português de Fomento de modo a acomodar flutuações de balanço decorrentes da implementação do Invest-EU, programa europeu com quatro janelas de investimento, no qual o Banco Português de Fomento assumirá o papel de implementing partner. Este investimento também inclui “a criação de um instrumento de capitalização para combater a grave depauperação de capital próprio no tecido empresarial português, em particular nas pequenas e médias empresas, como resultado da crise económica despoletada pela pandemia. Neste âmbito, pretende-se proceder, cumprindo os termos do quadro temporário de auxílios do Estado, a uma recapitalização de empresas de cariz estratégico e/ou operacional e financeiramente viáveis previa mente à eclosão do surto de SARS-CoV-2”.
José Manuel Fernandes espera que o Governo português não injete o dinheiro diretamente no Banco Português de Fomento. E que ainda vá a tempo de especificar no PRR que planeia multiplicar estes fundos no tal “compartimento nacional” previsto no Invest EU. “Mesmo com um fator multiplicativo menor — 7 em vez de 14, porque o risco nas empresas é maior —, €1,1 mil milhões do PRR capitalizariam as nossas PME em cerca de €8 mil milhões.” E insiste: “O InvestEU tem a vantagem de não se considerar auxílios do Estado os apoios que dá.”
Joana Nunes Mateus
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