Notícias, Últimas Notícias

“Temos de ajudar África por uma questão de solidariedade, sem paternalismos”

IN FORBES –  

A União Europeia desenhou a estratégia Global Gateway. Em que se traduz esta estratégia?

Nem sempre há a perceção de que a União Europeia é o maior doador global e aquele que mais ajuda ao desenvolvimento. A União Europeia, neste momento, tem menos de 6% da população mundial, tem uma economia que estava, com os 28 ainda com o Reino Unido, ao nível dos Estados Unidos. Mesmo só sendo 6% da população, tendo uma economia relativamente forte, mas abaixo dos Estados Unidos somos aqueles que mais contribuem para a solidariedade fora da União Europeia e para o desenvolvimento. Tenho insistido que África deve ser uma prioridade. Neste momento, são mais de 1.250 milhões de pessoas que vivem nem África, mas em 2050 serão o dobro e com uma média de idades que será metade da média da União Europeia. Temos de ajudar África por uma questão de solidariedade, por uma questão de relacionamentos e responsabilidades até históricas, uma ajuda que tem de ser feita sem paternalismos, e que é urgente. No Global Gateway, o programa para toda a ação externa em termos de ajuda ao desenvolvimento e de relacionamento, há 300 mil milhões de euros e para África, o que demonstra bem a importância do que estamos a falar, há 150 mil milhões de euros.

Estão apenas incluídas subvenções?

É importante que se note que não estamos a falar só de subvenções, mas também de empréstimos e de instrumentos financeiros a taxas de juros muito baixos que, face ao preço do dinheiro em África, podem ser um instrumento extremamente importante. Se não quisermos ser solidários podíamos ser egoístas porque se não dermos esperança a África e àquela juventude não teremos estabilidade naquele continente e isso também nos vai prejudicar. Neste sentido, África é e tem de ser uma prioridade.

Qual o horizonte temporal para a sua prossecução?

É referente ao período 2021-2027 porque temos aquilo a que se chama o quadro financeiro plurianual 2021-2027, que são um conjunto de programas, de políticas que pretendem atingir determinados objetivos no sentido de, por exemplo, 30% deve canalizado para o objetivo do combate das alterações climáticas, 20% para o digital. Todos estes programas são um conjunto de orçamentos anuais que tem um valor fixado. Para o período 2021-2027 são 1,2 mil milhões de euros.

Mas como se vai aplicar esta estratégia?

Em relação ao plano para África, queremos estabilidade, paz, queremos reforçar a capacitação das instituições e também queremos defender os direitos humanos para que sejam respeitados. Há objetivos claros em termos do combate às alterações climáticas e do digital. Mas a questão da educação, da formação profissional, da saúde são elementos fundamentais para nós. Neste sentido, os eixos de atuação para África tem muito esta ideia deste crescimento que deve ser sustentável. Mas um crescimento que deve ser inteligente no sentido de melhorarmos as competências daqueles jovens e também deve ser um crescimento inclusivo onde ninguém deve ficar para trás. Queremos dar esperança, concretizar essa esperança com ações concretas de forma que a juventude seja feliz num continente que tem muitas oportunidades que devem ser usufruídas por aqueles que ali residem.

A elevada população pode ser uma oportunidade?

A demografia deve ser encarada como uma oportunidade brutal. Enquanto na Europa, na União Europeia, os maiores desafios que temos são a segurança e o abastecimento energético e a demografia. Somos dos mais ricos do planeta onde há mais direitos sociais, onde estão mais de 40%, e correspondem apenas a 6% da população. Mas temos um grande desafio que é a demografia porque sendo os mais ricos somos também os mais velhos. Nesse sentido, África será um continente jovem, cheio de oportunidades, com força, precisa de estabilidade e de paz. Daí ter referido a aposta na educação, na formação profissional, a capacitação das instituições, o aproveitamento dos recursos naturais, uma agricultura que deve ser sustentável. Todas as dimensões que ali existem são uma mais-valia aliada à juventude existente. Por isso, falo muitas vezes na esperança, mas que depois se deve transformar numa certeza. É uma colaboração onde ganhamos nós e ganha África. Tudo aquilo que for parceria tem de ser win-win, sem paternalismos e a União Europeia deve estar com um objetivo de procurar que valores como a democracia, Estado de direito, a defesa da dignidade humana sejam também eles concretizados com a nossa ajuda.

Há outras apostas que devem ser feitas?

Uma medida que considero importantíssima e que deveria ser uma aposta é o apoio ao microcrédito para jovens empreendedores que têm dificuldade em aceder a esse microcrédito com taxas de juro altíssimas. Deveria haver não só instrumentos financeiros para pequenas e médias empresas como até microcrédito com este objetivo do empreendedorismo. Algo que é notável e que acontece muito em África é o empreendedorismo, sendo que tem de ser acarinhado, reconhecido e valorizado. As taxas de juro nos países africanos são muito elevadas. Aqui temos a obrigação e podíamos dar uma ajuda através de instituições como o Banco Europeu de Investimentos, que aliás também já faz estes empréstimos. Tenho constatado também que além do empreendedorismo em geral, o empreendedorismo feminino é uma mais-valia e tenho visto grandes exemplos de sucesso.

Pretende-se atingir o desenvolvimento sustentável em África. De que forma este programa vai contribuir para essa transição ecológica sustentável?

Temos de ser muito justos com África. A contribuição do continente para as emissões de CO2 é residual. Temos de ajudá-los nessa transição, mas isso não significa que não devam usar os recursos naturais que têm como o gás. Mas esta sustentabilidade implica que haja uma utilização dos recursos naturais de forma que as próximas gerações continuem a ter acesso a eles. Há este trabalho a fazer-se, por exemplo, em termos agrícolas, nas pescas. Ter muito cuidado com as licenças que são dadas a países que vão com arrastões e destroem as espécies e prejudicam o futuro. Ou então com espécies de madeira que muitas vezes são comercializadas de forma ilegal. Esta sustentabilidade é também e, sobretudo, no interesse das gerações futura.

O programa refere a criação de emprego digno. É possível quantificar quantos poderão ser criados?

Temos o objetivo de combater a pobreza e que os objetivos do milénio sejam atingidos. Quando falamos de emprego digno é aquele que permite à pessoa viver sem continuar na pobreza. Infelizmente mesmo na União Europeia temos trabalhadores que, ainda que recebendo salário continuam a estar numa situação de pobreza. Temos de defender a dignidade humana, o que implica um emprego digno com uma remuneração justa. Em África há muitos milhões de empregos que podem ser criados. Não faltam oportunidades, nem recursos naturais. O que há também a fazer, e essa é uma prioridade, é o reforço das competências, a educação, a formação profissional. Os empregos são nas mais diversas áreas. Há um elemento essencial em África: a aposta na educação e na formação profissional também tem de ter uma vertente na área da saúde. Também aqui há um grande espaço a ser feito. Quando falamos num plano 2021-2027, de 150 mil milhões de euros, temos de ter atenção que a este plano os países e governos também devem adicionar recursos e terão eles de estar implicados na definição destas prioridades e na utilização destes recursos para os objetivos em relação aos quais todos concordámos.

Há países que serão prioridade?

Todos os países africanos podem ser beneficiários destes montantes. É evidente que há uma preocupação adicional com os países que têm emigração irregular. No caso de Portugal, tem de reforçar esta prioridade com os países com os quais temos mais laços que são os países africanos de língua oficial portuguesa. Daí eu considerar que Portugal poderia ter feito mais quando esteve, recentemente, na presidência da União Europeia porque temos essa obrigação adicional. Não podemos esquecer que temos muitas empresas nesses países e que nos recebem bem. Temos de desenvolver essas parcerias.