O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi batizado de ‘bazuca’, pelo primeiro-ministro António Costa, mas depressa se arrependeu. Agora, chama-lhe ‘vitamina’.
Portugal tem acesso a 13,9 mil milhões de euros em subsídios e mais de 15 mil milhões de euros em empréstimos – dos quais Portugal só pretende utilizar 2,699 mil milhões. Recordo que o primeiro-ministro afirmou, na presença da presidente da Comissão Europeia, Van der Leyen, que não utilizaria estes empréstimos de longa duração e a taxas de juro muito baixas, mas agora recuou e pretende um pequeno montante. A explicação para a contenção é que temos uma dívida pública muito elevada. A evidência – muitas vezes negada pelos socialistas – de que a dívida pública é um enorme problema para a competitividade de Portugal fica, mais uma vez, demonstrada.
O governo faz muito mal em não utilizar mais estes empréstimos. Deveria direcioná-los para as PME. Em primeiro lugar, é necessário criar um instrumento nacional para a solvabilidade das PME. Além disso, seria muito útil disponibilizar estes recursos financeiros para as empresas investirem. No fundo, o governo só assumiria o risco do incumprimento, porque os juros e as amortizações ficariam a cargo das empresas. Para este objetivo, são fundamentais o Banco de Fomento, o Banco Europeu de Investimentos e o InvestEU – programa europeu de que fui negociador.
O InvestEU pretende mobilizar 400 mil milhões de euros em infraestruturas sustentáveis, investigação e inovação, apoio às PME e na área social. Tem uma novidade em relação ao seu “antecessor” Plano Juncker: os Estados-Membros podem usar um compartimento nacional do InvestEU para apoiar projetos naquelas áreas, e também para capitalizar as PME. Se Portugal quiser, há a possibilidade de colocar 4% do montante do envelope do Fundo de Recuperação e de 5% dos fundos da Política de Coesão nesse compartimento. Fui o responsável por estas propostas que são de enorme utilidade para Portugal. É uma oportunidade que não devíamos desperdiçar.
O governo atual não gosta da iniciativa privada. É assim na saúde, na educação, na economia.
O Plano Nacional de Recuperação e Resiliência está em discussão pública. Participei nas negociações do regulamento europeu para o Mecanismo de Recuperação e Resiliência que deve ser cumprido pelos planos nacionais. Introduzimos a obrigatoriedade dos governos envolverem e ouvirem as autoridades locais, as regiões, os parceiros sociais, as empresas e IPSS na elaboração dos respetivos planos. O governo de Portugal não queria fazê-lo, mas foi obrigado para que o Plano não fosse rejeitado. A prova é que o governo cozinhou um plano nas costas dos portugueses e só agora faz uma consulta pública.
A ‘bazuca’ que passou a ‘vitamina’ esquece o turismo e a restauração e despreza as empresas. Infelizmente, se o governo não alterar o Plano, será uma oportunidade perdida. Pela primeira vez na sua história, a UE vai aos mercados buscar 750 mil milhões de euros com base numa garantia comum do orçamento europeu – que assume o pagamento dos juros e das amortizações correspondente ao empréstimo das subvenções, no valor de 390 mil milhões de euros. Houve uma enorme relutância dos chamados ‘frugais’, Holanda, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Áustria. Se este dinheiro não acrescentar valor, se for para fazer mais do mesmo, os ‘frugais’ dirão que tinham razão e recusarão uma segunda oportunidade.
A verdade é que o plano agora em discussão pública é mais um “embrulho” do que um plano. Faz-se de conta que se vão fazer “36 reformas”, chama-se coesão territorial aos investimentos feitos nas grandes áreas metropolitanas, pretende-se financiar o cadastro florestal, dar cheques a 100 mil famílias que estão numa situação de pobreza energética, compra-se umas automotoras para a ferrovia e uns navios para travessia no Tejo. Isto é estruturante? É para nos modernizarmos? É para sermos mais competitivos e simultaneamente mais coesos do ponto de vista territorial, económico e social?
O “embrulho” serve para substituir despesa corrente, para pagar despesa já realizada, como os 260 mil computadores, e realizar algum investimento público que já devia ter sido assumido pelo Orçamento do Estado. Lembro que os investimentos ou as despesas realizadas a partir de fevereiro de 2020 são elegíveis. Por isso, consta do embrulho despesa já concretizada! A tentação do Estado financiar-se a si próprio é enorme.
Este PRR deveria estar articulado com o Portugal 2030 e, por isso, a discussão teria de ocorrer em simultâneo. Há sinergias e complementaridades que têm de ser definidas neste momento. Por exemplo, seria inteligente colocar no PRR (cujos subsídios são a 100%) os projetos que são estruturantes e crucias, mas que não serão financiados pelo Portugal 2030.
O Norte, o distrito de Braga e, sobretudo, os municípios da CIM Cávado são maltratados no “embrulho” de António Costa. Termino com um desabafo: no Parlamento Europeu tenho dado tudo para Portugal receber o máximo e é com frustração que constato que o governo não aproveita, não gere e não utiliza bem os fundos.
Gosto
+ A contínua descida do número de contaminações e de mortes por Covid-19 nas últimas semanas permite recuperar a esperança na luta contra a pandemia. Um sinal positivo, aliado às expectativas sobre a aceleração da vacinação, ainda que com um amargo irreparável face à confirmação de que eram evitáveis tantas mortes. Que a gravidade da reconhecida incompetência do governo lhe sirva de lição para programar um desconfinamento que todos esperamos ser o último.
+ O robô Preserverance está em Marte numa missão da NASA que conta com a participação da cientista portuguesa Florbela Costa. A engenheira aeronáutica de 32 anos, natural de Ponte de Lima, é a gestora técnica do projeto de desenvolvimento de motores que permitiu levar nesta missão o ‘Ingenuity’, que será o primeiro helicóptero a descolar da superfície de Marte. É mais um prova dos valores portugueses na ciência que muitas vezes desconhecemos e não valorizamos.
Não-Gosto
– O Plano de Recuperação e Resiliência é a reiteração da linha ideológica do governo PS: é bom a anunciar, muito bom na propaganda, mas é muito mau a cumprir e a executar. Deixa muitas palavras bonitas para o interior e para os territórios mais desfavorecidos. Fala muito em solidariedade e coesão territorial. Mas as ações que toma são contra as proclamações que faz. Os poucos investimentos são concentrados em anúncios de grandes obras para as áreas metropolitanas. Mas, mesmo sabendo-se tudo isto, é escandaloso como o Vale do Cávado é mal tratado no PRR.
– Uma sessão virtual de estudantes numa escola portuguesa pretendia refletir e discutir sobre a temática da escravatura e do racismo. Acabou por ter de ser interrompida devido a ataques e insultos… racistas. Uma manifestação intolerável e sinal de recrudescimento de comportamentos e movimentos extremistas, que põem em causa a liberdade e a democracia, assim como o progresso social e humanista.